Alguém que não goste de Jacinda?
A primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern, deve andar entre os líderes mais populares do mundo, mesmo governando uma pequena nação dos antípodas. A sua ideia de uma semana de trabalho de quatro dias para dar oportunidade à população de conhecer o próprio país foi recebida com aplauso geral, e muita gente gostava que não fosse algo só para os kiwis, o petit nom dos cinco milhões de neozelandeses. Com o país fechado para evitar a covid-19 - uma luta tão bem-sucedida que na sexta-feira houve um caso depois de quatro dias sem notícias de novos infetados -, a intenção é salvar a indústria turística nestes tempos de pouca vontade de fazer voos transcontinentais.
Já antes, em 2019, quando um supremacista branco atacou uma mesquita neozelandesa, a primeira-ministra mostrara-se não só irrepreensível na forma como foi solidária com os muçulmanos do país, como pela forma como foi dura com o comércio de armas, adotando leis restritivas da compra e posse. Embora não seja um país de imigração tão óbvio como a vizinha Austrália, a Nova Zelândia sabe que o êxito do seu modelo de sociedade depende da coexistência harmoniosa entre as comunidades, sobretudo entre a maioria de origem europeia e a minoria maori, descendentes dos habitantes originais das duas grandes ilhas que constituem o país (há mais 600 pequenas). Nas últimas décadas cresceu a imigração asiática, hoje quase 5% do total.
Gosto deste nome, Jacinda. Por alguma razão, as mulheres na política costumam ser tratadas pelo primeiro nome, como aconteceu com Hillary ou Dilma, mesmo que haja exceções, como a senhora Thatcher ou a chanceler Merkel. Não tem de ser machismo, afinal Marcelo não deixa de ser respeitado por os miúdos gritarem pelo primeiro nome quando querem uma selfie.
Ora, gosto de Jacinda, e gosto dela desde que há três anos lhe dediquei uma crónica no DN com o título "A primeira-ministra pode engravidar?". Provocatório, dirão alguns. Pois foi também o que achou naquele início de agosto a nova líder do Partido Trabalhista da Nova Zelândia ao apresentador de TV que a imaginava já primeira-ministra e lhe perguntou se tinha planos para ser mãe. "É inaceitável, em 2017, dizer que uma mulher deve responder a essa pergunta", argumentou a então deputada perante quem insistia na questão.
Várias vozes saíram em apoio de Jacinda, como a antiga primeira-ministra Helen Clark, que a instou a ignorar "ataques sexistas". Aos 37 anos, não ser mãe não é hoje nada de raro em boa parte do mundo, e também não faltam os homens dessa idade sem filhos. Um ano depois, mais mês, menos mês, nasceu Neve. E o mais fantástico é que contra todas as sondagens, o Partido Trabalhista chegara mesmo ao governo, numa coligação, apesar de não ter sido o mais votado.
Fez-se, entretanto, história. Pela segunda vez, uma chefe de Governo era mãe no cargo, só tinha acontecido antes com a paquistanesa Benazir (lá está, o primeiro nome, mas neste caso para distinguir do resto da dinastia política dos Bhutto). Nos homens não acontece também muito, mas basta olhar para o Reino Unido, e se agora foi Boris Jonhson, há uns anos também David Cameron e Tony Blair foram pais quando eram primeiro-ministro. Anima um pouco os tabloides, humaniza a imagem dos políticos por uns dias, pouco mais.
Antigo domínio britânico, a Nova Zelândia tem Isabel II como chefe de Estado. Também já teve duas mulheres chefe do Governo. E agora Jacinda, social-democrata convicta, que quer combater as desigualdades, não só entre sexos e raças, mas também sociais. Entre os elogios que lhe fazem está uma certa apologia da predestinação das mulheres para governarem melhor do que os homens, e isso neste combate global à pandemia já fez que a neozelandesa fosse incluída num grupo de excelência em que estavam também Merkel, a taiwanesa Tsai (é o apelido, à chinesa, apesar de surgir em primeiro lugar nos nomes) ou a finlandesa Sanna Marin. Mas é muito injusto não destacar também o sul-coreano Moon, o grego Kyriakos Mitsotakis (outra dinastia) ou até António Costa.
Aquilo que mais me agrada em Jacinda é aos 39 anos ser não só a líder como a personificação de um país que soube construir o seu lugar no mundo, hoje entre os 15 mais desenvolvidos segundo as Nações Unidas e também entre os três mais pacíficos (um lugar atrás de Portugal). O marido, um jornalista, é quem tem cuidado mais da filha (com ajuda dos avós), para a mulher poder conciliar a vida familiar com o trabalho de governar.
Muitos associarão a Nova Zelândia ao râguebi, com os todo-poderosos All Black, ou à beleza paisagística que se pode ver em filmes como O Piano ou O Senhor dos Anéis. Mas, em 1985, o país mostrou também grande personalidade ao reagir à sabotagem pelos serviços secretos franceses do navio Rainbow Warrior, que a Greenpeace usava para protestar contra os ensaios nucleares no Pacífico. Morreu um fotógrafo português, Fernando Pereira, e o Governo neozelandês lutou sempre para apurar responsabilidades, apesar de ser o tempo da Guerra Fria e o país pertencer ao bloco ocidental.
O país de Jacinda, já agora, foi o primeiro a reconhecer o direito de voto às mulheres, em 1893, ainda na era colonial, e com a rainha Vitória como soberana. Com esta herança, e uma líder como Jacinda, é de imaginar que a pequena Neve cresça num país que a sua mãe está a ajudar a ser ainda melhor.