A estátua do imperador e rei que morreu sem qualquer coroa
Foi imperador e rei em dois países e vários outros o quiseram para governar, mas morreu sem qualquer coroa no mesmo quarto onde nasceu. Li isto mais palavra menos palavra numa revista de história que comprei há uns anos no Rio de Janeiro e que tinha como tema de capa D. Pedro, I para os brasileiros, IV para os portugueses.
E pensei agora na figura porque visitei o Porto e dediquei uns minutos a observar a estátua erguida na Praça da Liberdade, a lembrar que foi a partir daquela cidade que o liberalismo triunfou em Portugal há dois séculos.
D. Pedro, agradecido ao Porto pelo apoio à causa da filha, ofereceu o coração à cidade, repousando, porém, o corpo em São Paulo, depois de Portugal em 1972, 150 anos após a independência por ele proclamada, o ter devolvido ao Brasil, sua pátria adotiva, se é que a expressão faz sentido.
É imponente a estátua equestre no Porto, assim como o é a estátua que está no Rossio em Lisboa e que um mito diz ter chegado a ser esculpida para representar Maximiliano do México, que acabou fuzilado. Claro, também o Brasil celebra D. Pedro com estátuas, afinal foi dele o Grito do Ipiranga, o "Independência ou Morte", de 7 de setembro de 1822.
D. Pedro foi imperador do Brasil e rei de Portugal. Emissários gregos chegaram a propor-lhe a coroa e que liderasse a guerra de independência contra o Império Otomano. Também os espanhóis o sondaram, talvez com ambições de encabeçar uma monarquia ibérica pujante, já que além de filho do nosso D. João VI era também filho de uma Borbón, D. Carlota Joaquina.
Falemos pois, como agora parece ser moda, de estátuas e de figuras históricas polémicas. D. Pedro nasceu em 1798 no Palácio de Queluz e morreu também ali, perto de Lisboa, em 1834, já o seu irmão absolutista, D. Miguel, tinha sido derrotado e obrigado ao exílio.
Morreu deixando a filha D. Maria II num trono e também o filho D. Pedro II noutro. A dinastia dos Braganças conseguiu, graças a ele, manter Portugal e o Brasil, Europa e Américas, o que os Borbóns falharam. Muito do mérito, diga-se, é de D. João VI, que cruzou o Atlântico para escapar a Napoleão, ao contrário de Fernando VII que se deixou apanhar pelos franceses, foi preso e até deposto.
Quando as repúblicas começaram a nascer na América Espanhola, imitando os Estados Unidos, o Brasil mostrou-se diferente. D. João VI regressou a Portugal mas deixou no Brasil um aparelho de Estado que o filho soube aproveitar para fazer nascer um império a sério (não os efémeros no México, com Iturbide ou Maximiliano, ambos fuzilados). E se o nosso rei não gostou de ver o Brasil separar-se, também não tardou muito a reconhecê-lo, afinal era o seu filho e herdeiro que reinava no Rio de Janeiro.
Confuso? Sintetizemos: Aconselhado pela imperatriz Leopoldina, uma austríaca, e por José Bonifácio, o seu homem de confiança paulista, D. Pedro decidiu cortar laços com Portugal. Preferiu ser imperador de uma parte do que rei de tudo. Conseguiu assim que o Brasil não se partisse em pedacinhos como aconteceu à Grande Colômbia de Bolívar. Conseguiu também que o pai na prática o perdoasse, pois, como dissera antes de deixar o Rio, "se perder o Brasil, antes para ti do que para os bandidos", ou seja os republicanos.
E ele, que sempre teve fama de muitos amores (Domitila de Castro é a mais conhecida), sempre se mostrou um pai afetuoso com os filhos, legítimos ou bastardos. Abdicou da coroa portuguesa para a filha e da brasileira para o filho. E foi para lutar pelos direitos da primeira, a nossa rainha carioca, que teve de cruzar o Atlântico e deixar o segundo sozinho com apenas 5 anos, entregue a uma regência onde estava José Bonifácio como tutor, o velho conselheiro com quem se tinha zangado por razões políticas mas sempre admirara.
D. Pedro IV, que também é o D. Pedro I que nos tirou o Brasil, merece pois uma estátua? Ou duas? Claro que merece. Portugueses e brasileiros tiveram a sorte de o ter como soberano, algo que os gregos e os espanhóis por alguma razão também queriam. Quem disse que a história é simples?