Hong Kong prova de fogo obrigatória de ganhar para Xi

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Primazia do Partido Comunista, defesa da unidade nacional, prosperidade económica. São estas as três grandes prioridades da liderança chinesa, por esta ordem decrescente, e a solução vinda de Pequim para acabar com os protestos em Hong Kong passará pelo peso que cada uma tiver na decisão final de Xi Jinping. Sim, de Xi, porque os protestos, os abaixo-assinados e as greves na antiga colónia britânica transformaram-se rapidamente da recusa de uma lei de extradição para a China continental em desafio aberto ao próprio presidente da república e secretário-geral do PC, o mais poderoso desde Mao Tsé-tung. E isto a poucas semanas das celebrações dos 70 anos do triunfo da revolução comunista, a 1 de outubro.

Com símbolos nacionais profanados pelos manifestantes, é evidente que na hierarquia do Estado e do partido muitos consideram que a linha vermelha foi já ultrapassada. E perante a incapacidade da chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, em lidar com o caos - aeroporto parado, por exemplo - cresce a pressão para uma intervenção do poder central, talvez até com recurso aos soldados colocados no território desde 1997, ano da restituição à China, pondo fim a século e meio de colonialismo britânico. Também a imagem de debilidade prolongada frente aos manifestantes preocupa Pequim, pois pode ser entendida na China continental como sinal de fraqueza ou de divisão no PC.

Há, porém, que ter em conta o simbolismo de Hong Kong para o sucesso da ideia de um país, dois sistemas. Aplicada também a Macau, que Portugal devolveu em 1999, a fórmula permite grande autonomia durante meio século, sobretudo uma liberdade de expressão e de imprensa que não existe no resto da China, e é também a melhor base negocial para uma reunificação pacífica com Taiwan, a ilha que em 1949 ficou sob controlo dos nacionalistas de Chiang Kai-Shek, derrotados por Mao na guerra civil chinesa. Cada vez mais tentada a uma independência formal, Taiwan, oficialmente República da China, vive sob ameaça de uma intervenção militar de Pequim, mas sabe que Xi preferirá sempre uma solução pacífica enquanto acreditar que o sentimento nacional chinês e a prosperidade da mãe-pátria serve de contra-argumento ao independentismo encarnado pelo partido da presidente Tsai Ing-wen. E se há referência para a juventude taiwanesa essa é sem duvida a sociedade civil de Hong Kong. A cúpula do PC terá isto em conta, certamente.

Falemos agora da economia. Hong Kong vale hoje 3% do PIB chinês, enquanto em 1997 valia 20% e no tempo do início das reformas económicas lançadas por Deng Xiaoping no final da década de 1970 representava metade da economia chinesa apesar de ter cerca de 0,5% da população. Até Shenzhen, a primeira zona económica especial chinesa, sua vizinha, vale hoje mais em termos de PIB, como notava o South China Morning Post, grande jornal anglófono de Hong Kong e prova viva da liberdade de imprensa que continua a vigorar no território. Mas Hong Kong em termos simbólicos e mesmo em termos económicos afirma-se muito acima dos seus números atuais, basta pensar na quantidade de empresas ocidentais aí presentes. Não por acaso, a lei de extradição (cuja polémica redação foi iniciada por um caso de crime em Taiwan) está a preocupar muitos países, que temem ver cidadãos seus julgados por tribunais da China continental. Preservar o dinamismo de Hong Kong não é vital para a China, mas continua muito importante.

Que poderá fazer então Pequim se os protestos prosseguirem? O cenário de uma repressão brutal, como em Tiananmen em 1989, parece a mais fora de hipótese, pois danificaria a imagem internacional de uma China que aproveita a impopularidade global de Donald Trump para ganhar aliados mundo fora frente aos Estados Unidos. Mas prosseguir com detenções maciças pela polícia aos mesmo tempo que agita a ameaça da intervenção militar - até já usa a expressão terroristas para os manifestantes - e esperar que quem protesta desista por medo é um caminho provável. O PC ceder no essencial - ser a China quem manda em Hong Kong - é que não parece na ordem do dia, a não ser que isso se traduza pela mera saída de Lam, um bode expiatório perfeitamente razoável que faz apelos ao bom senso que os manifestantes não querem ouvir. Xi estará a ponderar como responder da forma mais sábia a esta prova de fogo, que tem de ganhar.

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