Adivinha quem vem (outra vez) jantar?

Ao comentar aqui, na semana passada, a polémica em torno da "falta de representatividade" dos afro-americanos nas nomeações para os Óscares - questão suscitada, inicialmente, por Spike Lee e Jada Pinkett Smith, declarando que não estarão presentes na cerimónia de 28 de fevereiro -, confesso que não pensei que o assunto pudesse evoluir de forma tão dramática.

Primeiro, Spike Lee achou por bem esclarecer que, embora não assistindo à cerimónia, não apelou ao respetivo "boicote"... Depois, Will Smith veio dizer que está solidário com a sua mulher, Jada Pinkett Smith. Entretanto, em entrevista à rádio francesa Europe 1, Charlotte Rampling lembrou que "nunca será possível ter a certeza, mas talvez os atores não merecessem integrar a lista final", chamando a atenção para a possibilidade de se estar a favorecer um "racismo contra os brancos".

Rampling lembrou também, com alguma ironia, que se corre o risco de estabelecer padrões para quem é "demasiado negro", "demasiado branco" ou "não suficientemente bonito"... Em qualquer caso, deixando a pergunta mais concisa e delicada: "Temos de deduzir de tudo isto que tem de haver montes de minorias em todo o lado?"

O assunto adquiriu uma dimensão inequivocamente oficial através da tomada de posição de Cheryl Boone Isaacs, presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (a entidade que atribui os Óscares): vão ser tomadas medidas para que, até 2020, as estruturas da Academia integrem 48% de mulheres e, pelo menos, 14% de diversas minorias. A primeira medida será a nomeação direta, pela presidente, de três membros para os órgãos diretivos (board of governors) da Academia.

Estaremos perante uma tempestade num copo de água? Não creio. Porque o que está em jogo é a possibilidade de se vir a encarar a representação cinematográfica de brancos e negros como uma mera contabilidade, gerida por valores estupidamente burocráticos. Impressionada com a agitação, Charlotte Rampling voltou a expressar-se publicamente, no programa Sunday Morning, da CBS, esclarecendo que "apenas quis dizer que, num mundo ideal, todas as performances teriam idênticas oportunidades de avaliação".

Assim se multiplica um pecado corrente do espaço mediático global. A saber: a simplificação de um problema infinitamente complexo e contrastado - a representação dos negros na história do cinema americano - através das "boas intenções" do presente. Além do mais, a história plural de Hollywood merece outro respeito.

Quando evocamos, por exemplo, um filme como Adivinha Quem Vem Jantar? (1967), de Stanley Kramer, haverá quem o olhe, agora, como um objeto algo ingénuo e voluntarista na representação de brancos e negros... Talvez. Mas será que isso apaga a importância simbólica do seu impacto há quase meio século? E será que, um dia destes, alguém virá protestar contra a habitual presença minoritária dos brancos nos Grammys de tão vasto programa cultural.

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