A morte anunciada dos Marretas
Entre as memórias suscitadas pela morte de Prince, a sua passagem pelos Marretas (num episódio de The Muppet Show cuja primeira difusão ocorreu a 13 de setembro de 1997) suscitou especial emoção. A versatilidade do autor de Purple Rain permitia-lhe expor-se num registo paródico em que interpretava alguns acordes de uma canção country e mostrava até como era capaz de compor uma canção a partir de qualquer inspiração, incluindo o menu do almoço... Além disso, Prince atravessava a fase em que se identificava apenas por um símbolo (impronunciável), naturalmente suscitando o refinado humor dos bonecos dirigidos por Brian Henson.
Por cruel ironia, surgiu há dias a notícia (The Hollywood Reporter, 6 deste mês) de que a atual versão televisiva do show dos Marretas (intitulada The Muppets e iniciada em setembro de 2015) pode estar à beira do fim - entre as séries que não conseguiram cumprir as expectativas (Agent Carter, Bordertown, etc.), os Marretas emerge como uma das que dificilmente poderão continuar.
O impasse possui um valor sintomático, suscitando duas ou três ideias muito simples sobre a lógica de algumas opções televisivas (seja qual for o respetivo contexto nacional ou cultural). Assim, o relançamento dos Marretas foi executado através de uma "modernização" visual que fez perder uma componente fulcral do original: a utilização de câmaras com grande mobilidade, numa espécie de inusitada "reportagem" sobre o local de trabalho dos Marretas (à semelhança, por exemplo, de The Office, de Ricky Gervais e Stephen Merchant), alienou por completo o sabor teatral do original. Isto sem esquecer que a relação entre o Miss Piggy e o sapo Cocas passou a ser encenada, não como uma derivação de todas as utopias românticas, antes como um espaço de cinismo "adulto" recheado de insinuações sexuais...
A esses erros somou-se um outro cuja ligeireza é, no mínimo, desconcertante. É verdade que a nova série continuou a integrar convidados, incluindo Elizabeth Banks, Reese Witherspoon ou Jason Bateman. O certo é que tais presenças perderam por completo o papel aglutinador que desempenhavam na série original. Aí, não se tratava de "retratar" o dia-a-dia dos Marretas, mas sim de preservar um princípio essencial de entertainment. O lema era: "Os Marretas recebem uma estrela" - Lena Horne, Charles Aznavour, Rudolf Nureyev, Elton John ou Peter Sellers foram apenas alguns dos que deixaram registos admiráveis de humor e sofisticação artística.
Em última instância, tudo isto reflete um (des)entendimento do universo dos Marretas (cuja franchise pertence aos estúdios Disney) que passa ao lado das suas especificidades formais e espetaculares. A série original envolvia um fascínio muito especial pela figura da estrela (musical, cinematográfica, etc.); dir-se-ia que, agora, a ideologia dominante dos "famosos" já não reconhece o valor simbólico das estrelas.