Trump, Putin, o czar e o frio na Covilhã

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Leio, numa velhinha Ilustração Portugueza: a 17 de julho de 1916, uma data quasinho centenária, caiu um "grande nevão" em Portugal. E outra velhinha Ilustração Portugueza, ligeiramente mais nova, lembra-me que há mais exatos cem anos, a 6 de maio de 1918, caiu outra vez "um grande nevão na Covilhã". E ontem os jornais assinalavam: "Serra da Estrela pintada de branco em pleno julho"...

Afinal, as notícias da inconstância do clima são manifestamente exageradas? O tempo é o que sempre foi?... Se calhar não é bem assim, mas não vou discutir isso, vou comparar com os homens. Esses terão mudado no último século?

Há cem anos, o presidente americano era Woodrow Wilson. Um idealista iluminado pelo dever de a América promover a democracia no mundo. Ele escreveu um plano para a paz mundial, os Quatorze Pontos, em que incluía ideias novas, como a livre navegação nos oceanos e a limitação das armas nacionais ao mínimo necessário à segurança interna... Um visionário que até teve efeitos práticos, embora efémeros: a ele se deveu a Sociedade das Nações, precursora da ONU. E cem anos depois o presidente da América é...

Há exatíssimos cem anos, na madrugada de 17 de julho de 1918, os últimos dos Romanov, Nicolau II, a czarina e os seus cinco filhos foram assassinados a tiro e golpes de baioneta. Depois da revolução, no ano anterior, a família Romanov fora levada pelos bolcheviques e aprisionada numa vivenda em Ecaterimburgo, nos Urais. Naquela madrugada, o chefe dos guardas Iakov Iourovski levou os Romanov para o sótão da adega e leu-lhes a ordem de fuzilamento que foi logo ali cumprida. E os corpos escondidos. Iourovski era um membro da Tcheka, a polícia política recentemente criada.

A Tcheka tornou-se GPU (1922), que se tornou NKVD (1934), que se tornou KGB (1954), que foi extinto em 1991, com o fim da União Soviética. Por falar nisso, Putin, o atual presidente russo, trabalhou no KGB, em Leninegrado, colega longínquo, pois, de Iakov Iourovski.

Ontem, em Helsínquia, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, o país em que as mais altas autoridades de segurança tinham denunciado, horas antes, a ingerência russa nas últimas eleições americanas, declarou estar - nessa matéria - ao lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin. E Trump disse-o publicamente ao lado de Putin.

Se calhar é isso, a meteorologia e os homens mudam menos do que dizemos. O tempo da serra da Estrela, ontem, é igual ao da Covilhã há cem anos. Os presidentes da América, a cem de diferença, defendem sempre uma Sociedade das Nações, o atual querendo uma sociedade a dois. E os antigos e atuais servidores do KGB (ou afins) gostam de ações secretas. Vai-se a ver o tempo e a História são um bocejo.

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