Afinal já não vai haver deportações em massa

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Nas presidenciais 2016, o site do The Huffington Post terá sido o mais incisivo dos jornais (em papel ou online) contra Donald Trump. Todos os artigos sobre o candidato republicano terminavam sempre com uma nota de rodapé dizendo que Donald Trump fazia "sistemáticas declarações racistas, misóginas e xenófobas". Ontem, o site decidiu retirar o aviso. Lembrando embora que aquelas acusações não deixaram de ser verdadeiras, o HP não queria fazer como o próprio Trump e parte dos republicanos fizeram com a administração Obama, não lhe reconhecendo legitimidade, ao arrepio da tradição americana. "Quer gostemos ou não - e para sermos sinceros, não gostamos - ele [Donald Trump] ganhou a eleição." E o aviso vai deixar de ser publicado.

Foi um dos primeiros sinais de água na fervura, depois de uma campanha amarga e de verbo muito violento. Um dos temas centrais das propostas de Trump tinha sido a deportação massiva de imigrantes ilegais. Por várias vezes o candidato garantiu resolver o problema "nos dias seguintes" à sua tomada de posse. Também ontem, com a benevolência dos vencedores, alguém próximo do já eleito abrandou a amplidão da proposta ou, pelo menos, a sua rapidez. Reince Priebus, presidente do Comité Republicano Nacional, disse que Trump, na campanha, "não estava a referir--se a deportações em massa." Frisando que "ele só falava de pessoas que tenham cometido crimes", Priebus empurrou a decisão final: "Só depois veremos o que fazemos a seguir." Foi a primeira distorção de uma promessa eleitoral, sugerindo que as mais exageradas palavras da campanha talvez não passassem de exageros retóricos.

Nas dez semanas até à tomada de posse, a 20 de janeiro, haverá a oportunidade de Trump amaciar algumas afirmações mais abruptas - e a menor não será certamente a de que se vai haver, ou não, muro na fronteira com o México, e em condições vexatórias impostas ao governo vizinho. A haver adaptações, elas darão também para medir quanto o candidato outsider está disposto a ceder aos costumes da política de Washington.

Entretanto, os media passaram a protagonistas do dia seguinte: têm sido acusados de não terem adivinhado a vitória de Trump, e a clareza dela. Além de terem uma atitude, em geral, contra o candidato, as suas declarações e passado sulfuroso. Segundo instantâneas teorias sociais, a unanimidade dos jornais e das televisões e a forma acintosa de alguns dos ataques tiveram o efeito perverso de atirar muitos eleitores para o voto Trump.

Na imprensa menos popular, o remoque não foi acolhido. David Remnick, Prémio Pulitzer e diretor há 18 anos da prestigiada revista The New Yorker, publicou ontem um texto intitulado "Uma tragédia americana". Aí, previne contra as misérias a vir: "Um presidente cujo desprezo para com as mulheres e minorias, para com as liberdades civis e factos científicos, já para não falar da simples decência, tem sido repetidamente demonstrado." E: "Trump é a vulgaridade sem limites."

Escrito dois dias antes, talvez tivesse dado mais uns votos ao novo presidente.

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