O fim da Idade do Plástico (1950-2018)?

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Arqueólogos e historiadores costumam dividir a pré-história humana em "Idades" a partir dos materiais mais usados naquelas épocas. Assim temos a Idade da Pedra, a que se seguiram as Idades dos Metais, a Idade do Cobre, do Bronze, do Ferro.

Os antigos gregos usavam mais ou menos a mesma classificação mas chamavam-lhes "Eras". A Era de Ouro, de Prata, de Bronze, dos Heróis e de Ferro. Para os gregos estas designações não correspondiam aos metais mais usados, mas a uma progressiva degeneração da humanidade de um estado de graça até um tempo de miséria e angústia -a Era de Ferro- que duraria até aos nossos dias.

Hoje seria difícil classificar a nossa "Era" tendo por referência um único material, tal é a diversidade de objetos que usamos e a rapidez com que os substituímos.

Ainda assim é indiscutível que o plástico é um dos materiais que mais marca o nosso tempo. O plástico está presente em praticamente todos os objetos que usamos: desde o computador do trabalho, às fibras da nossa roupa, da lata do sumo ou da garrafa de água ao telemóvel, à palheta do café, às embalagens de fruta e legumes. Sem o plástico muitos dos desenvolvimentos tecnológicos que conhecemos não seriam possíveis e viveríamos num mundo pelo menos irreconhecível e certamente mais atrasado.

Não deixa de ser simultaneamente trágico e irónico que o plástico de que tanto dependemos esteja a destruir o nosso planeta e provavelmente a matar-nos lentamente.

Desde 1950 foram produzidas mais de 6 mil milhões de toneladas de plástico. Destas só cerca de 20% foi reciclada ou incinerada. Ou seja, 80% de todo o plástico já produzido, 4,8 mil milhões de toneladas, foi e continua a ser deitado fora todos os dias.

Os efeitos desta imensa montanha de lixo começam a fazer-se sentir.

São já bem conhecidos os relatos da "Ilha de plástico" do pacífico norte. Esta "ilha", composta por detritos de recipientes, garrafas, tampas, fitas de embalagens, cordas, redes de pesca e pequenos pedaços de plástico flutua lentamente pelo oceano e estima-se que tenha uma área 17 vezes maior que Portugal.

Todo este plástico, que demora em alguns casos décadas ou mesmo séculos a decompor-se (p.e., um saco de plástico dura 20 anos, uma garrafa de plástico 450), fruto das vicissitudes que atravessa vai-se partindo progressivamente em pedaços mais pequenos, até se tornar o chamado microplástico.

O microplástico, muitas vezes praticamente invisível a olho nu está por todo o lado e infiltrou-se já na própria cadeia alimentar humana.

Recentemente um estudo das Nações Unidas mostrou que 90% da água engarrafada tem vestígios de plástico. Um outro estudo de 2017 (da Orb Media, organização de jornalistas sem fins lucrativos) encontrou vestígios de plástico em 83% da água de torneira de 5 continentes.

Estima-se que atualmente 150 milhões de toneladas de plástico circule nos oceanos. Todo este plástico acaba por ser ingerido pelos próprios peixes. Um novo estudo, de fevereiro deste ano, da revista científica "Frontiers in Marine Science" mostrou que 3 em cada 4 peixes das zonas remotas do Atlântico tinha microplástico no estômago e intestinos.

Em 2050 o Fórum Económico Mundial prevê que haverá mais plástico que peixes nos oceanos da Terra.

Todo este plástico nos peixes e na água acaba eventualmente nas nossas próprias barrigas e intestinos. Apesar de apenas agora se começarem a fazer estudos sobre os efeitos no organismo humano, o resultado de décadas de ingestão de pequenas partículas de plástico não será difícil de adivinhar. A catástrofe ambiental, essa está à vista de todos. Todos os anos 1 milhão de aves marinhas morrem devido aos plásticos. Recentemente, na Tailândia, deu à costa uma baleia morta depois de ingerir mais de 80 sacos de plástico e situações do género são cada vez mais frequentes em todas as partes do globo.

Que podemos fazer, então? Abandonar a nossa forma de vida e regressar à Idade da Pedra? Naturalmente que não, e a resposta é simultaneamente mais simples e mais complicada que isso.

O que está mal é o nosso modelo de desenvolvimento, esta "Idade do Plástico" que é na realidade uma Idade do descartável, do usa-e-deita-fora.

A proposta deve começar pela mudança dos nossos próprios hábitos de consumo.

Um pouco por todo o mundo foi aberta guerra aos sacos de plástico. Da Austrália ao

Chipre, da Califórnia à cidade de Bombaim, na Índia, proibiu-se a utilização de sacos ou desincentivou-se o seu uso. Também aqui em Portugal a taxação resultou numa bem-sucedida quebra de 95% na utilização destes sacos.

Neste dia 3 de julho assinala-se o Dia Internacional Sem Sacos de Plástico, que evidencia, precisamente, este amplo consenso internacional.

Aqui em Portugal, como noutras paragens, foi possível reduzir drasticamente o lixo produzido por sacos de plástico com muitos poucos transtornos para os consumidores.

A lição que se retira desta experiência é que o tipo de transformações estruturais da economia e dos hábitos de consumo que estão na sua base não se poderão alcançar sem o incentivo e a intervenção dos poderes públicos. E os sacos de plástico são só o início.

Em novembro de 2017 apresentámos na Assembleia Municipal de Lisboa uma recomendação pela eliminação dos copos de plástico descartável na cidade, instigando também o Governo a estudar formas de eliminar o plástico descartável. Os resultados têm sido modestos, mas começam a ser visíveis. Nas festas de Lisboa muitos arraiais contaram já com copos reutilizáveis em vez dos tradicionais copos descartáveis. Também recentemente, um festival de música, o Rock In Rio, aderiu a este movimento e disponibilizou apenas copos reutilizáveis no seu recinto.

É agora imperativo continuar a pressão política e social, principalmente junto do Governo, para que tome medidas decisivas nesta matéria.

As alternativas são fáceis de encontrar e estão em muitos casos já disponíveis: copos reutilizáveis, sacos reutilizáveis de outros materiais, palhinhas de bambu ou metal, etc. Falta a vontade política para promover a sua utilização.

Para os antigos gregos atravessamos uma "Era de Ferro", um tempo de miséria e angústia. As alterações climáticas, a catástrofe ecológica e a extinção em massa de espécies que enfrentaremos nas próximas décadas são desafios dignos dos doze trabalhos de Hércules, mas que a humanidade terá que enfrentar sem a ajuda de nenhum semideus. Comecemos, pois, por deixar para trás esta Idade do Plástico que já dura há tempo suficiente e iniciar a construção de uma nova era, mais ambiental e ecologicamente sustentável.

Deputado Municipal em Lisboa e dirigente nacional do LIVRE

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