O homem dos pinheiros mansos morreu aos 80 anos
Continua fechado e a degradar-se, o Pavilhão de Portugal. Na próxima segunda-feira, passam 19 anos sobre a cerimónia inaugural da Expo"98, à sombra da famosa "pala" desenhada por Álvaro Siza Vieira, com discursos e música. Nesse dia, passaram pela Expo cem mil pessoas e entre elas onze chefes de Estado. Até ao fim da exposição mundial, a 30 de setembro, foram onze milhões os visitantes.
Um vento maluco despenteava o rio e as pessoas, na manhã de ontem, tal como tinha acontecido no dia inaugural. O teleférico cumpria o seu roteiro, com turistas a apreciar o estuário e a cidade, e havia gente a tratar das árvores e de pequenas obras no espaço público. Os pinheiros-mansos, redondos e cheios, davam uma bela sombra a quem por ali andava - a passear, a correr, sentada em leituras solitárias.
Tinha acabado de saber da morte de Mário Carrascalão, em Díli, e por isso os pinheiros-mansos eram mais do que árvores serenas. Foi ele que fez o primeiro estudo sobre esta espécie, a concluir o curso de Silvicultura no Instituto de Agronomia de Lisboa.
Não o conheci pessoalmente, apenas sei dele o que li e sobretudo o que me foi contado por uma das irmãs, a Maria Ângela, grande amiga. Imaginei o desgosto da numerosa família fundada por Manuel Viegas Carrascalão (São Brás de Alportel 1907-Timor 1977), tipógrafo anarcossindicalista deportado para Timor logo no início do regime do Estado Novo. Chegou a Díli em outubro de 1927, no navio Pero de Alenquer, com mais 63 companheiros, numa vigem iniciada em abril. Ali conheceu Marcelina Guterres, que Ângela me assegurou ser princesa, e tiveram onze filhos. Mário, o quinto filho, nasceu na granja estatal que veio a ser a Fazenda Algarve, onde se produzia chá e café. Contam a crónicas que o patriarca combateu como voluntário a invasão japonesa durante a Segunda Guerra.
Os irmãos que vivem em Timor reuniram-se anteontem para festejar à volta da mesa a condecoração com que o presidente timorense distinguiu Mário, aos 80 anos. Estavam felizes, prontos a comemorar os 15 anos do país que ajudaram a consolidar.
O antes e o depois: a cerimónia da condecoração e o jantar familiar; a notícia da morte súbita. E alegre se fez triste esta família que passou por conquistas enormes e perdas terríveis, fora do ciclo da vida habitual. Como naquele dia 17 de abril de 1999, quando a casa de outro irmão, Manuel, foi invadida e o filho Manelito, de 17 anos, foi morto por milícias pró-indonésias. Estavam refugiadas na casa mais de 120 pessoas, a maioria das quais foram barbaramente assassinadas. Era o tempo da ocupação indonésia, iniciada meses depois da primeira independência, em 1975.
Três anos depois, a 20 de maio de 2002, chegou o fim da ocupação e nasceu o país Timor Lorosae. Hoje é dia de festa e de tristeza, portanto, e muitos são os convidados que chegaram ao longo da semana.
Um deles é João Crisóstomo, português residente em Nova Iorque, que foi mordomo de Jacqueline Kennedy Onassis. Vai hoje oferecer ao arquivo histórico de Timor-Leste o dossiê original com todo o processo do movimento de apoio que conseguiu mobilizar nos Estados Unidos, junto da comunidade portuguesa e movendo todos os lóbis possíveis. Chama-se LAMETA este movimento - Luso-American Movement for East Timor Autodetermination. Na caixa volumosa estão as cartas que Crisóstomo trocou com Mandela, com Bill Clinton, com Xanana Gusmão, com tanta gente, incansavalmente a procurar apoios. Centenas de milhares de dólares foram angariados em jantares, reuniões, espetáculos. Dezenas de notícias na grande imprensa internacional a convocar esforços.
Os vulcões de água da Avenida D. João II estavam sossegadíssimos, ontem, enquanto me lembrava de Ângela. A água escorria pelas paredes coloridas, sem aquelas explosões que tanta algazarra provocavam. Grupos de crianças agitavam-se perto do Oceanário e do Pavilhão do Conhecimento, os autocarros de turismo estavam alinhados no estacionamento, a Companhia Nacional de Bailado trabalhava no interior do Teatro Camões.
E, sim, todos os edifícios no Parque das Nações construídos desde 1993 - antes ou depois da exposição - têm a sua vida própria, numa variedade típica de uma cidade jovem - habitação, museus, hotéis, empresas, comércio, cafés e restaurantes, até um casino. Uma estação onde se cruzam os meios ferroviários e rodoviários vê passar milhares de pessoas a cada dia.
Naquele lugar que foi o caixote do lixo de Lisboa, literalmente (incluía um aterro sanitário), as 40 mil árvores plantadas na década de 1990 estão agora crescidas e a florir nesta primavera cheia de sol. Jacarandás, buganvílias e muitas espécies exóticas dão cor às ruas e aos jardins.
Todos os edifícios estão a funcionar menos o Pavilhão de Portugal.