O imprevisto à espera de uma oportunidade
Um ponto de partida para meditar sobre o inquérito aberto pelo Diário de Notícias, pode talvez ser o fim da Segunda Guerra Mundial. Olhando nessa data para as perdas humanas e destruições materiais sofridas pela URSS, pela China, pelo Japão, pela Europa e por numerosas colónias do império euromundista, o presidente Harry Truman, em 9 de agosto de 1945, fez esta proclamação: "Saímos desta guerra como a nação mais poderosa do mundo, talvez a mais poderosa de toda a história." Protegidos por dois oceanos, sofreram menos, e assumiram uma hegemonia global. Nos escassos dias, decorridos no mês de dezembro de 2019, a conferência da NATO em Londres, e a conferência do ambiente em Madrid suscitam a concentração mundial em relação a dois desafios dominantes: a utopia da ONU, da "Terra única", e da "Terra casa comum do género humano", está ameaçada pela desordem, não apenas militar, mas também ambiental, a ponto de exigir um esforço global, que mantenha a terra habitável. A política de "relação de forças", seguida pelos EUA, tem já sinais do fim da liderança americana (Bertrand Badie), do outono ocidental, e do apagamento da "luz do mundo" que a Europa já teve (Jacques Barzun).
O facto que parece mais inquietante é que, embora tenha sido o objetivo essencial da utopia da ONU responder ao globalismo das interdependências sem fronteiras, nos domínios cobertos pelos avanços das ciências, das técnicas, das comunicações, os riscos crescentes da quebra da paz multiplicaram as formas e capacidade de agressão, desde o terrorismo às capacidades de precipitar uma cascata atómica, impondo a debilidade crescente da sonhada ordem, sem despontar uma viável governança mundial. A referida utopia da ONU invocou uma sabedoria que cresceu no sentido de pôr um ponto final no castigo infligido à ambição da Torre de Babel; mas o abuso da sonhada substituição das "crenças das Igrejas" pela "religião da ciência" (Renan, 1848) implicou que o globalismo sem governança implicasse uma "luta de relação de forças", em que se distinguem, contra o sonho de Harry Truman, e as suposições de Trump, o desafio da China, o desafio de Moscovo e o número de emergentes que não apreciam a história da ocidentalização do globo pela colonização. Parece haver acordo sobre o facto de os EUA, nas áreas da cultura, das ciências, das técnicas, cujas atividades apoiavam o que, no tempo de Obama, foi chamado o soft power, possuírem uma projeção global, e que é inegável o prestígio de Harvard, Stanford, MIT, Columbia, sempre no topo da classificação de Xangai, que a iniciativa económica e financeira inspiram o triunfo mundial das marcas das suas empresas, prestígio também apoiado em fundações, em que se distingue o modelo e ação da Rockefeller Foundation (1913), empenhadas em apoiar iniciativas educativas e culturais, a paz da utopia e o desenvolvimento sustentado que o papa Paulo VI chamou, na ONU, o novo nome da paz.
Mas é no plano da falta de governança mundial, que deveria ser um desenvolvimento da utopia da ONU, que a competição entre os poderes que descuidam o passado trágico da história das guerras, mais guiadas pela Realpolitik do príncipe de Maquiavel do que pela "paz perpétua" do internacionalista Kant, que esperava, no objetivo dos políticos, adotar uma legalidade expressa num campo de normas universalmente respeitadas. Nesta fratura entre as utopias humanistas e a multiplicação de utilitarismos políticos expansionistas, a defesa sem desistência das primeiras tem de não esquecer que o futuro teima em aparecer antes de previsto. Nos EUA também, na sociedade civil, estão ativas as iniciativas defensoras sem desistência dos valores da "terra casa comum da humanidade", distinguindo-se hoje, com alegadas reservas, a chamada Open Society Foundation, devida a George Soros, em defesa da paz, da democracia, da circulação das elites, do funcionamento dos centros de investigação. Esta linha, com tradição centenária, manter-se-ia animadora se, sem reservas, viesse a ser revigorada, em benefício de deter o outono ocidental, de recuperar a solidariedade atlântica e desenvolver a capacidade de ajudar, com autenticidade, a organizar a governança do globalismo. Os projetos existem, mas o imprevisto está à espera de uma oportunidade. Os movimentos de protesto contra as práticas ofensivas do ambiente, que uma criança conseguiu dinamizar em nome do direito a um futuro, são legitimados pelas ameaças de que tomam experiência sofrida, mas reclamando a ação dos responsáveis que possuem o poder político, o domínio do saber, a capacidade e o dever de anunciar a batalha da recuperação. O tempo perdido em minimizar a importância do apelo que vem de uma infância amargurada pelas dúvidas sobre o legado que vão receber ajuda a que, em mais uma ocasião, talvez o futuro aconteça sem previsão.