O RBI pode matar o Estado social
A ideia já foi recomendada pela OCDE, que incentivou os países a testar a eficácia do rendimento básico incondicional (RBI) ou rendimento básico universal. Lentamente, esta proposta está a deixar os extremos - sim, tem defensores e críticos nas duas pontas do espectro político-ideológico, o que pensando bem até pode ser bom sinal, e está a começar a ser discutida ao centro. De facto, é difícil resistir aos argumentos que o economista e filósofo Philippe Parijs invoca na entrevista que o DN publica hoje. É esse o poder das ideias revolucionárias, disruptivas, sendo igualmente certo que essa capacidade de sedução nem sempre significa que sejam boas ideias.
A proposta é simples - definir um valor de rendimento básico, pago a toda a gente, pobre ou rica, tenha ou não trabalho, e conseguir dessa forma uma redução das desigualdades. No essencial, trata-se de repensar a forma como o rendimento, a riqueza produzida por uma determinada comunidade é distribuída. O primeiro e mais decisivo argumento a favor do RBI é o estado a que chegámos nas sociedades ocidentais. Em Portugal, por exemplo, mais de um quarto da riqueza produzida está nas mãos de 1% da população e a tendência, nos últimos anos, revela um agravamento do fosso entre quem tem e quem não tem. Noutra medida, e falando ainda de Portugal, os 20% mais ricos ganham seis vezes mais do que os 80% mais pobres. A nível global, a comparação envergonha um pouco mais. Os 1% mais ricos detêm mais riqueza do que o resto da população mundial e as oito pessoas mais ricas "valem" mais do que metade do resto do mundo. A questão é saber se o RBI é a fórmula certa para suavizar o problema, para combater a pobreza a e a exclusão social.
Philippe Parijs põe a questão num plano filosófico, e aí é difícil não concordar com uma sociedade mais justa, mais inclusiva, com um maior equilíbrio entre trabalho e lazer ou trabalho e família. Num outro plano, o das políticas públicas, há uma série de questões ainda sem resposta óbvia. Há o problema do financiamento, que o professor belga não resolve, mas a principal questão é decidir se o RBI será complementar à atual rede de proteção social ou se a intenção será substituir-se ao Estado social. Nesta última hipótese, creio que o RBI, por muito bela que seja a utopia, poderia ter um efeito contrário ao pretendido. O melhor, mesmo, é continuarmos a debater o assunto...