Diplomacia não rima com pressa

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Tomar "boa nota" é muito provavelmente tudo o que Portugal pode e deve fazer a esta altura, na ressaca diplomática do caso Skripal. A diplomacia portuguesa não tem por hábito reações precipitadas e se há algo que pode explicar a dissonância entre a dimensão geográfica do país e a sua projeção de força e influência na cena diplomática mundial - a eleição de António Guterres é o grande exemplo - é precisamente a capacidade de manter canais de diálogo abertos com todos.

Não reagir apenas porque chegou de Londres, Washington ou Berlim um apelo a um qualquer gesto de solidariedade pode parecer contranatura, especialmente num momento em que a bola de neve de expulsões de diplomatas russos já leva 23 países (16 da União Europeia), mas pode fazer todo o sentido se, com essa ausência de gesto ou palavra, Portugal aproveitar o momento para afirmar a autonomia da sua diplomacia. Depois, uma atitude de seguidismo cego, expulsando pessoal diplomático russo de Lisboa a menos de três meses do arranque do Mundial de futebol na Rússia - onde Portugal vai ter a sua seleção a competir e certamente largos grupos de adeptos a viajar -, tendo como garantido que Portugal iria ter de lidar com a retaliação de Moscovo, não me parece a mais sensata das ideias. Outra coisa bem diferente será ir a jogo num movimento diplomático a 28 ou numa eventual resposta enquadrada pela NATO.

Num outro plano, pensemos no que interessa verdadeiramente à Europa. Fortalecer internamente Vladimir Putin dias depois da reeleição ou deixá-lo sem resposta? Não é que o silêncio o enfraqueça, mas cada ato de expulsão de diplomatas russos permite um discurso inflamado e nacionalista a Putin ou Lavrov. Aliás, o alimentar de uma narrativa do género "a Rússia contra o mundo e o mundo contra a Rússia" só serve para ajudar Putin a consolidar a sua posição interna, assente desde há muito na desestabilização e na promoção do caos nos países vizinhos e nas potências concorrentes - vejam o que acontece a quem abandona a proteção da mãe Rússia ou a quem nos tenta enfrentar - e na recuperação interna de um imaginário perdido de uma Rússia imperial, dona e senhora do destino de povos no seu bloco de influência. Por tudo isto, sim, parece-me que Portugal faz muito bem em, por agora, "tomar boa nota".

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