Opinião pessoal (LXVI) sobre Avelino Cunhal

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Como já sublinhei, Avelino Cunhal (1887-1966) distinguiu-se como jurista, advogado, professor, escritor e pintor. Nascera na Beira Alta, em Seia, implantada na vertente ocidental da Serra da Estrela, “perdida nas abas de uma grande serra no coração do país” como o próprio Cunhal escreveria sobre a localização da “sua” vila imaginária que batizou de “Senalonga”.

É precisamente esse o nome do livro que viria a publicar, em 1965. Li-o logo. Inesquecível. Aí, Avelino descreve episódios da política local passados, ainda, durante a Monarquia, na viragem do século XIX para o XX, na época em que os governos se sucediam em invariável rotativismo. Então, alternadamente, o sistema colocava no poder, ora representantes do Partido Regenerador (liderado por Ernesto Hintze Ribeiro) ora do Partido Progressista, chefiado por José Luciano de Castro. O primeiro, com tendência mais conservadora do que o outro.

A nível municipal, em Senalonga, essa alternância repetia-se. Espelhava-se na composição da câmara. Atingia, muitas vezes, aspetos caricatos que refletiam o imenso atraso social da vida mundana provinciana. A democracia era apenas aparente, uma vez que estava circunscrita ao rodopio de protagonistas que ocupavam, revezadamente, as cadeiras de vereadores em função das ações de propaganda conduzidas por galopins e caciques locais. Até podia acontecer que melhoramentos públicos inaugurados por uma vereação fossem derrubados pela seguinte devido à coloração política diferente...

No mesmo ano (1965), também fiquei encantado com o outro livro que Avelino editou: uma coletânea de três peças para teatro que escrevera, vinte anos antes, sob o pseudónimo de Pedro Serôdio. Recordo-me que leitura de cada peça gerava intensa emoção até momento do cair do pano. Com surpresa, para mim mesmo, aprendi a gostar de ler teatro.

Como escrevi em crónica anterior, Afonso Costa nasceu, igualmente, em Seia. Conterrâneo e contemporâneo de Avelino Cunhal (apesar de pertencerem a gerações distintas) o carismático estadista da República é, desde agora, o patrono do Centro de Interpretação que foi recentemente inaugurado.

Além de Afonso Costa e de Avelino Cunhal, foi, também, no concelho de Seia que viria a nascer António Almeida Santos (1926-2016). Em 1974, como se sabe, integrou o I Governo Provisório juntamente com Álvaro Cunhal. Sentados lado a lado, trocavam conversas e desenhos que faziam durante os conselhos de ministros. No final de uma dessas longas reuniões, Cunhal ofereceu a Almeida Santos o desenho de uma mulher de capucho na cabeça que aqui é divulgado.

Ex-diretor-geral da Saúde

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