Opinião pessoal (LXVII) Sobre construir
Reproduzo aqui outros cinco desenhos que Álvaro Cunhal elaborou durante as prolongadas sessões do Conselho de Ministros de 1974 e 1975. Tal como já escrevi, na conclusão das reuniões, na hora de arrumar documentos e anotações de cima da mesa, Cunhal tinha o hábito de entregar a António Almeida Santos, que se sentava a seu lado, alguns dos desenhos que costumava fazer. Traços simples de esferogáfica, em pequenas folhas de papel, mas que Cunhal não inutilizava na limpeza final do seu lugar, talvez por considerar que estavam bem conseguidos. Oferecia por cortesia genuína? Por mera simpatia? Curiosamente, ambos tinham intensas ligações familiares a Seia. Eram praticamente conterrâneos, uma vez que o pai de Álvaro era senense e Almeida Santos nascera na aldeia de Cabeça, naquele mesmo concelho, em 1926. Os dois juristas, separados por 13 anos de diferença de idades, tinham sido nomeados para integrarem o I Governo Provisório, liderado por Adelino Palma Carlos, a 16 de Maio de 1974. Terão, certamente, tido conversas sobre as respetivas origens associadas à Serra da Estrela, além dos pequenos desenhos que trocavam. Mas, o primordial interesse comum que os ligava era a solução política justa e rápida para o problema da Guerra Colonial e a descolonização, mesmo antes do termo do mandato da Assembleia Constituinte. Desígnio partilhado pelos dois, sublinho. Trabalharam juntos nesse sentido.
Na altura, no período dos sucessivos governos provisórios, foi importante terem sido cumpridos os principais objetivos estratégicos do Programa do Movimento das Forças Armadas.
Nesse tempo, sucederam-se acontecimentos que pareciam contraditórios, mas que afinal acabariam por ser conciliáveis e indispensáveis no processo de construção democrática. A este propósito, não esqueçamos que, em poucos meses, Portugal registou dois presidentes da República, três primeiros-ministros, seis governos provisórios, duas eleições gerais (Constituinte e Legislativa) e o reconhecimento da Independência das antigas colónias.
Agora, ao olhar para trás, admitamos que, apesar de imensas dificuldades, o fim da Guerra e a proclamação de novos Estados livres, eram inadiáveis. Mais de 150 anos depois do Brasil, era preciso substituir o antigo Império pela Cooperação entre países.
Considero, assim, que não podemos ignorar o sucesso das políticas públicas dessa época e dos respetivos protagonistas. Ao longo de linha temporal marcada por justificadas intranquilidades e incertezas, houve construção. Sim, construiu-se um outro país. Melhor.
Ex-diretor-geral da Saúde
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