Opinião pessoal (LVI)

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Pela televisão, acompanhei a posse do 47.º presidente dos Estados Unidos da América, no dia 20 de Janeiro. Agora, a frio, sem o frenesim próprio da ocasião, resolvi escrever alguns tópicos que surgiram no meu pensamento sobre as mudanças já anunciadas.

Mas, em primeiro lugar, pretendo manifestar as minhas dúvidas sobre a justeza do sistema eleitoral americano, uma vez que está concebido para fazer ganhar apenas o candidato de um de dois partidos, quer para a Presidência quer para o Congresso e Senado. Um bizarro sistema bipartidário, sublinho.

O espanto é ainda maior quando, como já aconteceu, o presidente eleito poder ter menos votos do que o seu adversário. Ainda por cima, não se compreende a desmesurada concentração de poderes que detém que gera um domínio quase absoluto. Chega ao ponto de o regime permitir que o presidente possa decretar, por sua decisão, indiscriminadamente, o perdão a criminosos e até perdoar a hipótese de um seu familiar poder ser condenado no futuro, antes mesmo do julgamento. Uma governação a lembrar o estilo Luís XIV, “Rei Sol”, investido de influência divina.

O espalhafato da assinatura pública dos decretos terá ofuscado a gravidade de algumas das medidas que tomou. Refiro-me, entre outras, à decisão de os Estados Unidos saírem da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Reparemos no resumo histórico que apresento.

Na sequência da II Guerra Mundial, a OMS foi criada no âmbito das deliberações da Conferência de São Francisco, em 1945, e, no ano seguinte, da Conferência de Nova Iorque. Os respetivos estatutos, como agência especializada da ONU, entraram em vigor em 1948. Portugal aderiu ainda no mesmo ano (1948).

Dois médicos portugueses destacaram-se no começo das ações desenvolvidas pela OMS: Francisco Cambournac (1903-1994) e José Cutileiro (1911-1956). O primeiro foi eleito para dois mandatos como diretor da Região de África (1954-1964) e o segundo ensinou Saúde Publica em Cabul (Afeganistão).

O mais importante sucesso da OMS foi a eliminação da varíola, a nível global, através da vacinação. A erradicação da doença foi declarada em 1980. Um imenso êxito.

Em Portugal, o último caso de varíola ocorreu em 1952. Hoje, o vírus só existe armazenado nos frigoríficos de Atlanta (EUA) e na Sibéria (Rússia), onde ainda permanece à espera de ser tomada a decisão de o destruir.

A intervenção da OMS não se limita à vacinação ou ao controlo de pandemias (como tuberculose, sida ou covid-19), visto que desenvolve ações em saúde maternoinfantil e na prevenção de riscos: doenças crónicas, resistência dos agentes microbianos a medicamentos ou alterações climáticas. Riscos que interessam a todos países, incluindo os EUA.

Ex-diretor-geral da Saúde

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