Onde é que os políticos ganham mal?
Em novembro, o Parlamento aprovou o fim dos cortes de 5% nos salários dos titulares de cargos políticos e gestores públicos, que vinham de 2010. Em dezembro, o Governo tentou “contratar” o consultor do Banco de Portugal, Hélder Rosalino, por um salário mensal de quase 16 mil euros brutos.
Já houve muita discussão à volta disto, cujo resultado político de curto prazo é este: dar mais força ao Chega. Não interessa que se verifique, segundo publicou a revista Sábado, que boa parte dos deputados do partido de André Ventura ganhem o dobro na Assembleia da República do que auferiam antes de serem eleitos, não havendo notícia de algum ter recusado tal “benesse”. No final do debate, a gritaria propagandística do Chega “contra os políticos do sistema” e contra “a corrupção” sairá, certamente, vitoriosa.
A imprudência suicida dos que colocaram agora este assunto no debate público (PSD, CDS e PS) suscitou um argumento central: a classe política portuguesa é mal remunerada e isso não atrai para os cargos públicos as “melhores pessoas” (só esta expressão dá um tratado). Quem põe esta ideia em causa é corrido com um epíteto: “populista!”
O que pergunto é isto: será que a classe política portuguesa ganha assim tão mal?
Comparemos o salário anual de Marcelo Rebelo de Sousa (mais de 114 mil euros brutos na base, sem despesas de representação, nem outros subsídios) com, por exemplo, o do presidente francês Em- manuel Macron (174 mil euros brutos, sem despesas de representação, nem subsídios, segundo o jornal Libération). Verifica-se que Macron ganha 1,5 vezes mais do que Marcelo, mas o salário anual médio francês (42.662 euros em 2023, segundo a Pordata) é 1,8 vezes superior ao português (22.933 euros).
Macron ganha, sem subsídios nem impostos, cerca de quatro vezes o salário médio francês e Marcelo cerca de cinco vezes o salário médio português, o que sugere que, afinal, nesta comparação, Marcelo e toda a classe política portuguesa - que aufere uma percentagem da remuneração do Presidente -, até recebem salários altos.
Claro que isto não é nada confrontado com o salário da presidente da Comissão Europeia, do presidente do Conselho Europeu ou do governador do BCE pois qualquer um deles recebe um valor bem acima de 400 mil euros brutos anuais, antes de despesas, subsídios e impostos, mais de 10,5 vezes o salário médio da União Europeia (37.900 euros) - um escândalo de que ninguém fala.
Por outro lado, se a intenção de quem defende o aumento dos salários dos políticos portugueses é eles rivalizarem com o que se paga aos CEO das grandes empresas, para assim “atrair os melhores”, isso quer dizer que essas pessoas estão de acordo com o que aconteceu na última década no nosso país: o fosso salarial entre os gestores de topo do PSI 20 e os seus trabalhadores aumentou 46% e eles agora ganham 36 vezes mais do que a média salarial de quem lhes produz a riqueza da empresa.
É isso que defendem?
Para chamar “os melhores para a política” o Presidente da República deve ganhar 36 vezes mais do que o salário médio dos trabalhadores portugueses, tal como acontece com “os melhores” no topo das empresas do PSI20? É essa a remuneração que acham adequada?
Mais: só querem atrair para a política malta da gestão empresarial, da alta finança e doutores em Direito, é isso?
O cidadão comum, um trabalhador com salário médio, ou mínimo, não deve ser político, não é “um dos melhores”?
O que é, afinal, demagógico e escandaloso? Dizer que os políticos ganham mal ou comparar o que eles ganham com o rendimento de quem os elegeu e verificar que, feitas as contas, até ganham bem?
Jornalista