Obviamente, salvemos os média
Não é por acaso que a primeira emenda constitucional americana, datada de 1791, versa sobre a liberdade de opinião, afastando a interferência governamental na imprensa. Porque as democracias liberais são mais fortes onde houver o máximo pluralismo, são mais ricas onde houver circulação de ideias, são mais saudáveis onde houver escrutínio sobre os poderosos, são mais inclusivas onde houver acesso à literacia. Uma imprensa ao mesmo tempo independente e sustentável, vibrante e qualificada, é a marca de uma sociedade civilizada.
Coletivamente, há que lutar por uma indústria de conteúdos economicamente viável, que dê condições aos jornalistas para investigarem, que albergue inúmeros espaços de opinião, que assegure uma ampla cobertura noticiosa. E, idealmente, espera-se que os média portugueses tenham rasgo: que promovam a cultura, o património e a ciência; que contribuam para uma certa noção de país e de bem comum; e que projetem internacionalmente os nossos talentos.
Para que isto aconteça, para que sobrevivam os grandes títulos de imprensa e as rádios que fazem parte da nossa história comum e – igualmente importante – para que floresçam novos projetos de conteúdos, todas as dinâmicas serão necessárias. E todos os pré-conceitos e olhares defensivos são estéreis. Há que reconhecer, logo à partida, que só vingará o que for financeiramente sustentável. Há que reconhecer que a indústria está em vertiginosa transformação no que toca a hábitos de consumo e possibilidades tecnológicas, tendência que só irá acelerar. Há que reconhecer que nada, mas nada, terá êxito sem uma visceral presença no digital. Há que reconhecer que o talento e a mobilização dos melhores profissionais continuarão a ser os motores decisivos para assegurar a boa oferta de conteúdos. Há que reconhecer que muitos dos modelos, estruturas e cavalos de batalha associados aos média estão terrivelmente antiquados e não contribuem para a imprescindível reinvenção do setor. Haverá que deixar entrar o novo, para salvar o bom das coisas velhas.
Creio que devemos fugir das tradicionais soluções que impliquem maior envolvimento do Estado. A comunicação social é uma indústria que merece viver com autonomia, dinâmica solta e vitalidade própria. Só assim será verdadeiramente livre, logo útil. Mais importante do que pensar em subsídios e apoios permanentes, há que fomentar a eficiência do setor. Utilizar os meios públicos sim, mas para promover hábitos de literacia e consumo de média, para combater todas as formas de pirataria, e para fazer o trabalho de regulação, fiscalizando a seriedade e atuação dos acionistas. Por outro lado, os governos e as autarquias podem e devem estimular um ambiente propício à produção de conteúdos para exportação, contribuindo para dinamizar uma indústria audiovisual de ponta, nas áreas do cinema, séries e documentários.
De resto, deixemos a sociedade civil funcionar. Sobretudo, há que abrir caminho para investidores inovadores, que tragam sangue novo, racionalidade e capacidade de reinvenção – quer sejam grupos com experiência no setor ou fundos de capital de risco, quer sejam novos acionistas estrangeiros, quer sejam consórcios envolvendo quadros diretivos e gestores, como recentemente aconteceu em Portugal - tudo isto são possibilidades válidas para levar a cabo lógicas de modernização.
Também será necessário que os trabalhadores, os credores, os acionistas históricos e todos os stakeholders envolvidos nas empresas em situação difícil percebam que os programas de reestruturação e transformação serão incontornáveis, implicando ajustes, alterações de práticas antigas, redução de custos fixos sem valor acrescentado em paralelo com a contratação de equipas com competências críticas, maior foco nas plataformas digitais, e investimentos bem pensados em novos conteúdos, novos processos produtivos e novos modelos de distribuição.
Para além da delicada situação de alguns títulos de imprensa e estações de rádio, a recorrência de resultados económicos precários em grandes grupos de televisão levanta questões complexas, que mais cedo ou mais tarde terão de ser enfrentadas. Toda esta realidade colocará também pressão no universo do Estado, tanto sobre a RTP quanto sobre a LUSA, que aliás poderão explorar formas de articulação que possibilitem sinergias e ganhos de eficiência. Fará sentido considerar essas oportunidades, sem tabus. Defendo a existência de um operador de serviço público de média, desde que tenha um propósito claro na estratégia de conteúdos, desde que seja efetivamente diferenciador e relevante, e desde que consuma recursos moderados no contexto global do setor. A realidade é que todos serão chamados a responder pro-ativamente aos desafios atuais, e também as empresas públicas terão de fazer mais e melhor a partir das disponibilidades que recebem.
Em suma, cabe à sociedade como um todo fomentar um ambiente de livre circulação de ideias e opinião. Para tal é fundamental não só a sobrevivência, mas o desenvolvimento de meios de comunicação social sustentáveis e independentes. E o êxito destes requer o alinhamento de três vetores: acionistas com visão estratégica, gestores realistas e equipas de conteúdos abertas à inovação e à mudança.
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