O Uber do jornalismo
Não sou jornalista. A minha profissão, para não dizer "fonte de rendimento" não é escrever todos os dias.
Mas reconheço que a par da profissão de jornalista estão todas as outras que se manifestam através dos atos de criação. Um objeto de design existe, antes de existir. Existe antes de chegar ao seu público. Um edifício é edificado antes de o ser. Existe antes da primeira pedra.
Um texto é igual.
O designer Dieter Rams disse em tempos que beleza e aparência são coisas diferentes. E são! A beleza não precisa de ser visual. A beleza deveria sim centrar-se na harmonia, no contraste e nas proporções. Tal como um texto. Essa harmonia não é conseguida através de palavras bonitas e complexas, mas sim através da forma que as palavras e as frases dançam entre si.
Este bailado está, no entanto, em vias de ser avaliado como nós avaliamos o serviço de entregas da Uber. Este bailado prepara-se para ser avaliado pelo número de bailarinos que leem o texto e não pela qualidade da música.
Correu recentemente pelo mundo a notícia de que o Telegraph, conceituado jornal inglês, ia passar a pagar aos seus jornalistas pelo número de cliques nas suas peças. O Telegraph já veio, no entanto, desmentir e diz que os incentivos propostos são sobre a satisfação do assinante e não pelo "clickbait". Satisfação? Como assim? Pomos uma estrelinha na página? E podemos dar uma "tip" ao jornalista?
Ao tentar-se vender a meritocracia nos domínios com funções sociais primordiais, infetamos transversalmente a sociedade promovendo o apelativo e o fácil, deixando cair a verdade, o rigor, a inteligência.
A facilidade de um texto é para os virtuosos. E isso tem um preço. Chama-se qualidade! Coisas como, "faz lá um boneco" está ao nível de "desenrasca-me lá umas linhas". Fazer o boneco certo ou escrever a linha certa não dá trabalho. Dá trabalho é saber qual é o boneco certo ou a linha certa antes de pôr a caneta no papel.
Tyrion Lannister (Game of Thrones), diz em determinado episódio, que "não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história. Nada pode pará-la. Nenhum inimigo pode derrotá-la."
Afinal é mentira. O Uber do jornalismo irá encarregar-se disso!
Irá encarregar-se de destruir a literacia mediática.
Irá encarregar-se de fazer de todos nós mais alegres, mas muito mais palermas.
Designer e diretor do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia