O tempo tríbulo
Um velho conceito latino ensina que as palavras voam e os escritos ficam - verba volant, scripta manent - parecendo apontar os caminhos alternativos da perdição quer da salvação da memória, dos factos, das ideias, dos valores e dos povos: recordei-me por intervir em 1994, no Congresso dos Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, realizado em 26 de janeiro daquele ano. Aceitei o interesse tradicional do conceito latino, na chamada garantia, contra o documento, "a criatividade talvez arbitrária da tradição oral". Não obstante comentários como os do André Gide (1937) sobre a capacidade de guardar pela escrita a versão moderna dos adversários, deve aceitar-se que mesmo no campo com o passado histórico, incluindo o totalitário e o do futuro ideológico, tudo é auxiliado e analisado por uma cenografia meticulosa. Há quem sublinhe a importância, e não esquecer a palavra do relatório que descomandou "os erros e os abusos". Entre nós foi Gilberto Freyre que definiu o uso do conceito do "tempo tríbulo", que considerou de grande utilidade na área das ciências sociais.
A cenografia da luta política tem uma variante que garante a liberdade incontrolável de anunciar o futuro, o que não os impede de reinventarem o passado, por isso o processo lhe parece tridimensional, consentido pelo primeiro objetivo estratégico que é a tomada do poder, sendo de admitir o cuidado de limitar a matéria, no facto de conseguir que as assumidas interpretações do passado não serão necessariamente coincidentes. O tempo tríbulo lembra uma exigência de salvação da verdade, enfrentando uma ferramenta que multiplica o rigor da falta de exatidão da comunicação. Infelizmente a violência no mundo, surpreendendo as esperanças da paz do fim da Guerra de 1939-1945, com expressão na Carta da ONU, Declaração de Direitos e Estatuto da UNESCO, tendo conduzido, por intervenção da literatura de muitas vozes, por vezes de passadas culturas, à situação de a verdade ser da versão difícil, os direitos de difícil respeito, tentado, as atitudes profundamente contraditórias, os poderes a serem contestados no Tratado do Ambiente porque é credibilidade fraca a das informações dos que finalmente discutem o legado a deixar aos herdeiros da geração com a qual não viveremos. Os crimes contra a humanidade multiplicam a face em acontecimentos, debatidos entre maquiavelismo e acasos de justiça.
A versão da leitura tríbula implica conseguir encontrar um caminho que movimente uma adesão ao novo futuro, salvo se o avisado pântano conduzir as vítimas para o esquecimento, e que o conjunto dos vivos salvos tenha aplicado ao planeta o nome de aldeia global, certo de que existem convicções da nossa certeza na criação da cultura totalizante que os vivos empurraram para a reformulação da ordem global, da estrutura reinventada, da história partilhada, do futuro partilhado, fazendo coisas menos contraditórias, étnicas e crenças. O combate que os comandantes militares interpretam como responsabilidade a assumir até vencer a covid-19 não pode deixar de exigir reconhecer que as "alegrias cobertas de lágrimas" da passada Guerra Mundial de 1939-1945 viram desaparecerem o tempo tríbulo das palavras, mesmo as que conduzem para os grandes princípios, porque a destruição do passado está talvez tão ameaçada como "futuro que não possa acudir a uma bússola de sobrevivência".
Infelizmente a época do fim de 1939-1945 parecia doutrinada com o anúncio do credo dos valores eliminando as ideologias vencidas, mas nessa história de criminalidade não é a que já encontrou a bússola do futuro em alegria, e inevitavelmente paz. As lideranças mais faladas, ou que mais falam, são competidoras contra queixas do longo passado, atingidas pelo enfraquecimento de supremacias deixadas perdidas na história, tentando, nem todos, saber qual sobre o planeta a sobrevivência dos seres vivos. Mas a experiência dos vivos, em busca de criar um futuro, fica com a clareza de não usar o tempo tríbulo. Foi uma oratória não evangélica que, por desconjuntar a herança do passado, apenas tem garantido as lágrimas sem paz, e esta parecendo ser condenada à luz das velas que iluminam enquanto vão morrendo. Mas é neste passado que ainda estão as esperanças de reconstruir um futuro da geração com a qual não viveremos, mas poderá receber a herança sem benefício de inventário. O tempo tríbulo pode ser um exercício, mas é difícil que seja uma promessa ou um remédio. O lugar procurado é o da esperança, no qual vamos finalmente encontrando a cooperação de fés diferentes que se encontram na convicção de que a fé é comum, para que a esperança seja a realidade que os jovens, na conferência em curso, puseram em dúvida.