O sistema internacional deve ser salvaguardado e respeitado

Publicado a

Dúvidas não podem restar: os valores e as normas internacionais, edificados ao longo das últimas décadas, continuam válidos e devem ser integralmente respeitados. Os dirigentes políticos e os capangas que não o fazem assumem comportamentos ilegais, tantas vezes criminosos, e como tal precisam de ser confrontados. A noção de mundo Ocidental ou menos Ocidental, isso de nada conta. O que vale são as normas que regulam o quadro universal. Quando se vota no mesmo sentido da Coreia do Norte, algo que deveria ser impensável, o importante é lembrar qual é o lado certo das convenções.

Houve grandes momentos que permitiram fazer avançar e consolidar esses princípios. Seria uma cobardia, ou no mínimo um erro, não os lembrar e não insistir no seu escrupuloso cumprimento. Menciono, de seguida, uma lista especialmente clara no que respeita à progressiva regulação das relações internacionais desde o fim da 2.ª Grande Guerra - a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), as dezenas de processos de descolonização e de independência nacional nos anos e nas décadas do pós-guerra, a Guerra do Vietname, a Ata Final de Helsínquia (1975), que definiu as regras da cooperação e da segurança na Europa, incluindo nos EUA e no Canadá, as Convenções e os Protocolos Adicionais de Genebra de 1949 e 1977 sobre as questões humanitárias e as leis dos conflitos, o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética (1991), a aprovação do Estatuto de Roma de 1998, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), e ainda o Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas de 2015.

Sintomaticamente, durante todos estes anos não foi possível chegar a uma plataforma comum relativa à luta contra o terrorismo, um assunto complexo, de uma grande sensibilidade política.

Entre os criminosos políticos, que ignoram as regras, há infelizmente demasiados nomes que podem ser destacados. Esta semana, no terceiro aniversário do início da agressão de Vladimir Putin contra a Ucrânia, a sua responsabilidade criminal merece uma referência especial. Sem esquecer, tampouco, o seu aliado mais recente, Kim Jong-un, o facínora que esmaga diariamente a população da Coreia do Norte e ameaça com os seus mísseis meio mundo e o outro.

Quando se fala destes indivíduos e se regista que a presente Administração norte-americana votou nas Nações Unidas ao lado desses delinquentes, surge obrigatoriamente a interrogação sobre os princípios referidos mais acima. Para que mundo nos querem empurrar?

A resposta é tudo menos simples. Mas deve-se continuar a insistir na dimensão normativa. As regras internacionais existem, e são para cumprir. É, todavia, preocupante ver o G20 ou o G7, e algumas dimensões do sistema das Nações Unidas, que têm funcionado como pilares da democracia internacional e da cooperação entre os povos, serem desrespeitados pelas ditaduras tradicionais em conjunto com os rufiões que estão a surgir na praça pública.

A arquitetura política internacional corre o risco de se desmoronar. Já está em ruínas na Palestina, pelas dramáticas razões que se conhecem. Poderá, brevemente, entrar em derrocada, aquando das negociações sobre a soberania da Ucrânia. É praticamente impossível acreditar numa paz justa, quando se pensa nos protagonistas que agora entraram em cena. Estão do lado de Putin, por razões incompreensíveis, talvez pessoais, talvez ligadas a contas passadas, e com o pretexto - quimérico - de obter um divórcio entre a Rússia e a China.

Uma parte do sistema internacional de Defesa estará igualmente em risco quando tiver lugar a próxima cimeira da NATO, prevista para 24 a 26 de junho, na Haia. E o desfecho mais significativo acontecerá a 22 e 23 de setembro, quando a Assembleia-Geral se reunir para discutir o futuro das Nações Unidas. Veremos, então, que propostas serão postas em cima da mesa, numa altura em que a ONU é um alvo relativamente frágil, desrespeitado por gente como Netanyahu e pouco compreendido pelos ricos deste mundo.

Não posso deixar de mencionar a viagem de há dias a Washington de Emmanuel Macron. Terá tentado dar a impressão aos americanos de que uma boa parte do poder de decisão está nas suas mãos, quando se trata da UE. Não tenho a certeza de que o haja conseguido, por três razões.

Primeiro, porque Washington sabe que Macron se está a debater em França com uma crise nacional muito séria. Macron está mais próximo do passado que do futuro.

Segundo, porque o Reino Unido e a Itália de Giorgia Meloni têm apoios importantes na Casa Branca. O novo embaixador britânico em Washington, Peter Mandelson, um trabalhista astuto como o foi há anos o seu chefe Tony Blair, tudo fará para dar a volta a Donald Trump. Por outro lado, Trump tem uma simpatia especial por Meloni. E esta não morre de amores por Macron.

E terceiro, e mais determinante, porque Trump odeia a UE, como ficou claro dias depois da visita de Macron.

Conselheiro em segurançainternacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

Diário de Notícias
www.dn.pt