O Serviço Militar Obrigatório está de volta?
Depois de décadas de transformação da atividade militar no sentido cada vez mais profissional e voluntária, na sociedade ocidental tem vindo a crescer novamente o debate sobre o eventual regresso do modelo mandatório de recrutamento militar. Esta é uma discussão que tem estado não apenas nas regiões onde os ressurgimentos das tensões políticas têm sido muito evidentes nos últimos anos - como no Médio Oriente, Ásia ou Europa de Leste -, mas também em países onde a vocação individual militar era o fator-chave, como é o caso dos Estados Unidos ou da Inglaterra.
Assim, em Israel, onde há muito tempo prevalece o modelo de recrutamento obrigatório, atualmente debate-se se deve ou não prolongar-se o tempo de serviço aos reservistas, como resultado da sua guerra em curso contra o Hamas e o Hezbollah, e se o recrutamento deve expandir-se para a população ultraortodoxa atualmente isenta. Na Ásia, Taiwan prolongou recentemente o seu período de recrutamento em resposta ao cenário de maior ameaça por parte da China. E, por fim, na Europa de Leste, a Ucrânia expandiu o seu recrutamento em maio para reabastecer as suas forças enquanto continua a combater a invasão russa. Este último conflito ganha uma relevância maior no debate sobre o regresso da mobilização forçada para o Serviço Militar.
De facto, a guerra na Ucrânia está a evidenciar que, num conflito prolongado como este, e apesar da tecnologia ser cada vez mais decisiva para as operações - com veículos de combate não-tripulados como os drones a assumirem nos últimos meses grande preponderância - continua a ser necessário existir capacidade de mobilizar soldados. Depois de tantas décadas de paz, muitos países não só desinvestiram em infraestrutura e logística industrial de fins militares, como acabaram com o Serviço Militar Obrigatório, o que em situação de conflito ainda cria limitações que não podem ser ignoradas.
Apesar de cada vez existirem cada vez mais soluções tecnológicas, o conflito ainda exige muito capital humano, e pessoal mais qualificado, com competências para operar soluções cibernéticas e de navegação remota, exigências que antes não se colocavam. Por outro lado, as guerras com tendência a prolongar-se no tempo - como o caso do conflito na Ucrânia - continuam a exigir elevada capacidade de gestão dos recursos humanos ao dispor, assim como da reposição dos militares nas linhas de frente de combate - que devem também ter alguma capacidade em termos de conhecimentos e experiência militar.
Não é por acaso que países como a Lituânia, um dos países em risco de invasão por parte da Rússia, voltou a instituir esta obrigatoriedade em 2015 - depois da tomada da Crimeia. Noutros países europeus, começa a surgir o mesmo debate - o regresso a uma espécie de mobilização militar obrigatória como forma de preparação para o pior. Nos países Europeus este é um debate que poderá bem ser acelerado nos próximos trimestres. Alemanha, Dinamarca, Reino Unido são algumas das potências que já deram nota pública de que será preciso criar algum tipo de enquadramento que permita uma mobilização mandatória de cidadãos. E também nos Estados Unidos se começa a contrariar que a Defesa esteja exclusivamente na mão de militares profissionais.
Em Portugal, o debate permanece mudo para já. Mas a exigência dos compromissos da União Europeia com a nova Cortina de Ferro e com a Ucrânia irão provavelmente fazer emergir este debate, a par de tudo o que também terá de ser organizado em termos do que será a maior amplitude das respostas conjuntas de âmbito militar dos países europeus que constituem a NATO - e não só.