Na vigência do XIII Governo Constitucional, em 1997, procedeu-se à quarta Revisão Constitucional que desconstitucionalizou o Serviço Militar Obrigatório, abrindo uma janela de oportunidade para a aprovação de uma nova lei de Serviço Militar, a Lei n.º 174/99 de 9 de Setembro de 1999, que fixou a prestação do Serviço Militar, em tempo de paz e de forma exclusiva, num regime de voluntariado e de contrato (RV/RC)..O modelo adoptado passou a assentar, assim, num sistema semi-profissionalizado, caracterizado, no essencial, pela introdução de novas formas de prestação de Serviço Militar, determinando o abandono do recrutamento geral, em favor de um recrutamento de tipo individual..Contudo, o novo modelo nunca conseguiu demonstrar a sua eficácia em garantir o número suficiente de efectivos para o normal funcionamento das Forças Armadas (FA), realidade fortemente acentuada nos últimos anos, pese embora a maquilhagem dos números que o Ministério da Defesa nacional tem pretendido passar para a opinião pública..Senão, tenhamos em conta que as FA tinham ao serviço, no final do ano de 2023, 21 080 militares, cerca de 32% abaixo dos números autorizados por lei, com a particular e grave situação do Exército, com efectivos na ordem dos 50%, com especial destaque para a categoria de Praças, com valores da ordem das 3000 unidades..São números que se situavam, inclusive, bem abaixo daqueles que tinham sido estabelecidos em 2014 na denominada Reforma 2020 para a Defesa, que, sem qualquer racional conhecido, apontava para um intervalo entre os 30 000 e os 32 000 efectivos, não logrando, assim tão pouco, atingir nem metade dos elementos da GNR e da PSP, no seu conjunto, da ordem das 53 500 unidades....Enquanto isso, foram sendo anunciadas, com pompa e circunstância, salvíficas medidas com vista à resolução dos problemas de recrutamento, destacando-se programas de incentivos para a atracção e retenção de voluntários que não funcionaram, face à exiguidade do que era oferecido, bem como ao incompleto cumprimento do quadro de incentivos aprovado..Com o mesmo propósito, publicitava-se a criação de um quadro permanente de Praças, medida que, face à pressentida magreza salarial e aos escassos apoios sociais conhecidos, a par de uma progressão de carreira sem condições de motivação suficiente, estará, certamente e à partida, condenada ao fracasso..E, mais recentemente, quase em desespero de causa, assistiu-se à determinação, por parte do ex-MDN, de um conjunto de alterações aos critérios de selecção para o ingresso no Serviço Militar, com tabelas gerais de aptidão pautadas por uma menor exigência física, médica e sensorial, acentuando, ainda mais, a fragilidade do recrutamento..Deste modo, passou a admitir-se que candidatos, com menor capacidade e passíveis de menor resiliência, pudessem ser incorporados com uma diminuída aptidão para o serviço, nomeadamente para as acções relativas ao combate, quando exigidas, e para as quais as FA deveriam estar particularmente preparadas..Entretanto, nos últimos anos vêm-se verificando significativas modificações no panorama geopolítico mundial, tornando-se, por essa razão, indispensável estabelecer mecanismos capazes de garantir a mobilização dos meios e dos efectivos suficientes, de forma a permitir que, no quadro europeu, se possa assegurar uma resposta adequada aos novos desafios em presença..Conscientes desta nova realidade, um número crescente de países, na Europa, veio retomar os modelos de conscrição de Serviço Militar que, entretanto, tinham abandonado no final do século passado, reconhecendo que os modelos profissionalizantes adoptados não reuniam, mais, as condições necessárias para fazer face à matriz de ameaças decorrentes das mudanças verificadas no quadro da segurança internacional..Contudo em Portugal, as FA, que no final da década de 90 detinham um conjunto de capacidades adequadas às suas missões constitucionais, e que permaneciam ligadas à Nação através de um dispositivo e de um conceito de recrutamento adaptados aos recursos e às necessidades do País, vieram a confrontar-se com a desarticulação do modelo existente, que se traduziu no esvaziamento e no abandono de Unidades, Estabelecimentos e Orgãos, e na degradação do seu produto operacional e da respectiva sustentação logística..Torna-se, então, legítimo questionar se a actual política de prestação de Serviço Militar, com semelhantes limitações e vulnerabilidades, poderá vir, alguma vez, a gerar as condições indispensáveis às FA para assegurar as missões constitucionais que lhes estão designadas, bem como permitir ao País cumprir a sua quota-parte de responsabilidades, no conjunto das forças reunidas, no âmbito das alianças de que faz parte..Perante a relevância das questões levantadas e a premência de se identificarem as respostas mais adequadas para as mesmas, não poderá deixar de se assinalar, no entanto, o estranho e sistemático alheamento de sucessivos Governos sobre a política a seguir, neste âmbito..Na verdade, sucessivos Governos da República, de forma autista e tendencialmente irresponsável, têm vindo a recusar o agendamento político sobre a questão do Serviço Militar, não propiciando a reflexão e o debate público sobre uma questão que, sendo estruturante para a Defesa Nacional, é reconhecidamente relevante para o reforço agregador da identidade nacional..No mesmo sentido, de difícil entendimento, também, a posição reiteradamente assumida por entidades com as mais elevadas responsabilidades políticas, no âmbito da Defesa Nacional e das FA, ao afirmarem que um modelo de Serviço Militar de conscrição não caberia, de forma alguma, no quadro das opções a considerar sobre o modelo de Serviço Militar a perseguir? Toda esta convicção, no entanto, sem nunca terem dado a conhecer quais os estudos e trabalhos que a tivessem fundamentado e, sobretudo, sem nunca ter havido a oportunidade de conhecer a opinião dos portugueses sobre esta matéria..Mais avisado seria reconhecer que somente através de uma reflexão política séria e descomprometida sobre a questão do Serviço Militar, a par de uma ampla e esclarecida participação da sociedade sobre a mesma, que o poder político, aliás, nunca teve a coragem de promover, se poderão criar as condições indispensáveis para a adopção de uma política pública de Serviço Militar ajustada às condições do País e à garantia da sua soberania e independência. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico