O “robot” de família!
Lembro com alguma nostalgia os tempos em que o SNS não tinha médicos de família disponíveis. Na altura só quem tinha um bom seguro de saúde é que conseguia uma consulta para tratar a ciática ou as crises de sinusite.
Estávamos em 2024 quando uma equipa de investigadores da Universidade de Tsinghua, desenvolveu um hospital simulado, todo ele vazio de seres humanos. Os médicos e os enfermeiros foram substituídos por bots e os doentes também, não fosse aquilo na altura correr mal. Mas hoje, na viragem dos 50 anos do século XXI, esta experiência tecnológica espalhou-se pelo mundo e o meu médico é uma linha de código. Nada a dizer, antes pelo contrário. Através do seu super-avançado algoritmo, o meu “robot” de família, analisa todos os casos do mundo que têm por base os sintomas que lhe apresento et voilà!, diagnóstico apresentado naquela sua voz metálica, por detrás de uma luzidia bata branca. Sim porque hoje, 30 anos depois da simulação de Tsinghua, os médicos já não são só uma voz num écran de led. São humanoides que imitam na perfeição o médico dos anos 2000. Se não fosse a voz metálica, monocórdica e sem qualquer tipo de entoação, eu não diria que estava na frente de um bot com cabeça, tronco e membros.
Hoje é tudo assim. Quase não conheço ninguém. Vou ao café e aparece-me um robot de uma só roda, feita de pneu para circular mais depressa a tirar pedidos mesa-a-mesa. Entro no táxi e nem condutor há! O volante gira sozinho como que por obra de um mágico. Na escola dos meus netos, igual. As professoras de cabelo grisalho que davam reguadas quando nos portávamos mal foram substituídas por uns robozinhos bonitos de cabelo falso encaracolado e fatiotas a condizer.
Nos tribunais, aí sim, está tudo na mesma. Apesar dos advogados agora terem um nome impossível de pronunciar, tal como os médicos, a demora nas sentenças continua a demorar. Não porque os bots demoram a analisar os casos, tanto que nem precisam de dormir, trabalhando ininterruptamente 24 sobre 24, mas porque o número de ocorrências aumentou. Tudo é uma ocorrência, fruto da falta de subjetividade neste mundo robótico em que vivo.
Lembro com alguma nostalgia os tempos em que o empregado de mesa deixava cair as chávenas e soltava um palavrão, ou quando na sala de espera do médico se lia um jornal ou se passavam os dedos num simples écran de telemóvel. Mas nem tudo é mau! O meu “robot” de família está sempre disponível, sem esperas e sem demoras, e quando venho do médico, já não tenho que levar com conversa da treta dentro do táxi!