O que os debates speed-dating fizeram pela democracia portuguesa

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Má vontade. Desconfiei do modelo de doses excessivas de debates entre os dirigentes dos partidos com assento na AR, feitos em tempo curto, para se adaptarem ao formato televisivo e não para esclarecer propostas. O risco era ter muita performance e pouca clarificação de programas políticos. Frases curtas e ensaiadas para resolver problemas que têm décadas, estocadas nos adversários, o grito de guerra “o-senhor-não-fez-as-contas”.

Sim, talvez os debates não tenham esclarecido propostas pormenorizadamente. Mas tiveram a grande vantagem de mostrar as dinâmicas de entendimento e de confronto político entre os vários partidos e - como agora se diz - ajudar a “cenarizar” o que venha a acontecer no pós-eleições. Num contexto de provável dispersão de votos entre múltiplos partidos e de contraposição entre os blocos políticos esquerda/direita, é bom para guiar as escolhas dos eleitores  - que a relação entre os partidos do mesmo campo político seja de uma transparência cristalina.

E algo importante aconteceu na segunda-feira. O debate que opôs Luís Montenegro e André Ventura foi decisivo e deve ser guardado para memória futura. Montenegro foi taxativo: mesmo que haja uma maioria à direita, a AD não fará um acordo político com o Chega para sustentar um Governo. A frase “Não é não” já tinha sido pronunciada anteriormente, mas a desconfiança permanecia. Por boas razões. Desde 2019 que o PSD titubeava respostas vagas à hipótese de entendimento com a extrema-direita e, no momento da verdade, nem pestanejou em fazer um acordo com o Chega nos Açores, apesar de o PS ter sido o partido mais votado.

Agora não há recuo possível. Montenegro fechou definitivamente a porta da participação da extrema-direita na governação a partir de 10 de março, seja com ministros no Governo, ou por acordos de incidência parlamentar.
Esta posição tem implicações muito importantes. Tornou-se impossível a hipótese de que, num cenário de maioria de direita com uma AD minoritária, bastaria substituir Montenegro por uma nova liderança para negociar com o Chega.

Primeiro, porque o compromisso que a AD faz com os seus eleitores é que o seu voto jamais será usado como rampa de lançamento para a influência da agenda política do Chega na governação do país. Essa posição não é um pormenor de somenos. Enfim, não é sequer a promessa de não aumentar impostos ou não cortar pensões ou o Subsídio de Natal. “Não haverá acordo” não vincula apenas Luís Montenegro, é antes um compromisso central sobre a configuração do regime por parte da AD que não pode ser contornado.

E segundo, porque há uma doutrina presidencial sobre a matéria. Desde as eleições de 2022 que Marcelo de Rebelo de Sousa amarrou a legitimidade política do Governo do PS à figura de António Costa. Nunca concordei com essa interpretação personalista do voto, que é feito em partidos e não em líderes, mas foi esse o legado doutrinário de Marcelo na Presidência da República, mesmo que tenha sido Jorge Sampaio o primeiro a demitir um Governo com maioria na AR. Há apenas três meses, perante a crise política e a saída de Costa, Marcelo não aceitou a continuidade do Governo PS que, aliás, não tencionava alterar a sua linha de governação e que contava com uma maioria parlamentar estável. Isso significa que o PR não poderá, jamais, aceitar que uma eventual decapitação de Montenegro possa abrir a porta a uma negociação com o Chega, mesmo que o PSD vá buscar Passos Coelho. Todos os votos que a AD venha ganhar a 10 de março terão dito que “não é (mesmo) não”. Essa legitimidade não poderá, jamais, ser atropelada.

Dos “marketeiros” das campanhas políticas à esquerda virão acusações de que o “Não é não” não passa de uma tática eleitoral de Montenegro. Desaconselho essa estratégia. A direita portuguesa está em recomposição desde o fim do Governo da troika, com riscos autoritários evidentes, e o melhor cenário possível é que o seu rearranjo não passe pela incorporação do discurso do ódio de todos contra todos. A recusa da extrema-direita é mesmo uma boa notícia. Para os democratas.


Investigadora do CES

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