O que nos ensinam os ecólogos?

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Esta crónica é diferente. Corresponde a um convite da Sociedade Portuguesa de Ecologia (Speco), em associação com a Federação Europeia de Ecologia (EEF, na sigla inglesa). Desde 2017 que estas associações científicas promovem um Dia da Ecologia. Na edição de 2024, coincidente com este sábado, o tema proposto para reflexão é a seguinte pergunta: “O que é um ecólogo?”

Sabemos que é um praticante da ecologia, como um astrónomo é praticante da astronomia. Mas há na ecologia algo de diferente das restantes ciências. E isso ajuda-nos a responder com mais profundidade.

Podemos partir da formulação de uma académica norte-americana, Carolyn Merchant (1936), autora em 1980 de uma obra fundamental, só agora traduzida para português (A Morte da Natureza, editora Sempre-em-Pé). Ela afirma que a ecologia é “uma ciência subversiva”.

Para interpretarmos esta tese, teremos de recuar à génese da ecologia, cujo conceito nasce em 1866, da pena de um biólogo alemão, Ernst Haeckel (1834-1919). Ele propõe a seguinte definição: “Por ecologia entendemos a ciência completa das relações do organismo com o mundo externo (Außenwelt) circundante, onde, num sentido mais amplo, podemos incluir todas as ‘condições existenciais’.”

Muito antes de Haeckel sublinhar como a vida é inseparável de uma totalidade de relações, orgânicas e inorgânicas, integradas num “ecossistema”, já os naturalistas do século XVIII, e até antes, o reconheciam. O sábio sueco Carl Lineu (1707-1778) popularizou o conceito de “economia da natureza”, para sublinhar que todos os habitantes do planeta, desde os humanos aos vegetais e minerais, habitavam uma mesma totalidade dinâmica. Os ecólogos estudam essa complexidade, e não hesitam em confirmar que a fecundidade sublime da existência está atravessada por tensões e fragilidades, suscetíveis de rutura e dano irreversível causados pela ação humana, impensada ou deliberadamente criminosa.

A ecologia tem sido a ciência pluridisciplinar dos limites naturais e os ecólogos os arautos da prudência na ação humana. Infelizmente, outras ciências, subordinadas às aplicações tecnológicas que as financiam, têm sido espadas afiadas no acelerado processo que, sem uma rápida e profunda travagem, acabará por transformar a Terra em mais um orbe celeste despido de vida na Via Láctea.

Apesar de a ecologia ter transbordado para a sociedade, inspirando generosos movimentos cívicos de ecologistas e ambientalistas, os governantes continuam a submeter-se à ignorância atrevida dos poderosos - como a do ex-banqueiro Mario Draghi, pressionando à mineração de lítio em Portugal. Lamentavelmente, carecemos de uma ecologia da alma humana, para iluminar a raiz da nossa pulsão suicida.

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