Nikki Haley sabe, há já várias semanas, que não será a nomeada presidencial republicana para a eleição geral de 5 de novembro de 2024..Donald Trump venceu os seis primeiros estados e, muito provavelmente, voltará a vencer a totalidade dos 16 estados que irão a jogo na Super Terça-Feira, já a 5 de março..Se o objetivo das primárias partidárias nos EUA é escolher o candidato oficial de republicanos e democratas para as presidenciais e se uma campanha nos Estados Unidos é muito cara e exige uma logística complicada, então porque é que a antiga governadora da Carolina do Sul não desiste?.A resposta não é óbvia, mas é mais simples do que parece: porque Nikki Haley está a marcar território para 2028, altura em que já não haverá Donald Trump no caminho (nem Joe Biden, já agora)..O caso de Haley, junto do povo republicano, é o de que “escolher Trump para novembro é suicídio para os EUA”. É certo que mais de dois terços dos republicanos não a acompanham nessa convicção - mas também é verdade que as percentagens obtidas por Nikki até agora (19% no Iowa, 44% no New Hampshire, 40% na Carolina do Sul, 27% no Michigan) estão muito acima do que, há poucos meses se esperava..Quase 300 mil republicanos da Carolina do Sul, e quase outros tantos no Michigan, preferiram Haley a Trump. Não chega para a nomeação, mas confere um capital político suficiente para que Nikki (ainda) não atire a toalha ao chão. Atentemos ao que ela disse na noite da “sua” Carolina do Sul: “Eu sei que 40% não é 50%. Mas também sei que 40% não é um grupo minúsculo”. .“Trump não ganha a Biden”.Uma das contradições dos processos de primárias tem a ver, precisamente, com o que Nikki Haley está a alegar: a escolha dos mais fervorosos apoiantes partidários é mais passional que racional - e isso, por vezes, não atende aos interesses calculistas sobre quem teria mais hipóteses de ganhar a eleição geral..Trump domina os corações da grande maioria dos republicanos em 2024. Mas Haley mostra mais características para ser competitiva na eleição geral (tem menos rejeição e muito maior capacidade de projeção nos eleitores independentes e até democratas). .As sondagens confirmam esta avaliação geral: Trump tem cerca de dois pontos de avanço sobre Biden, Haley teria cerca do triplo (5 a 8). “Trump não ganha a Biden”, insiste Nikki. Mas já vai tarde: o comboio da nomeação para 2024 já foi apanhado por Donald, que será pela terceira vez consecutiva o escolhido do Partido Republicano (desde Roosevelt, há oito décadas, que isso não acontecia em algum partido do sistema, sendo que nessa altura, do lado democrata, ainda aconteceria uma quarta). .Um quinto dos republicanos (ou seja, nem todos os apoiantes de Haley, mas grande parte dos seus apoiantes) responde nas sondagens que não votará em Trump na eleição geral, caso o ex-Presidente que quer voltar a sê-lo venha a ser condenado em algum dos casos judiciais em que está envolvido. .E ainda há o posicionamento estratégico: Trump tem quase 78 anos e está enredado em casos judiciais complicados. Se alguma coisa (seja ao nível da saúde ou ao nível legal) impedir Donald de aceitar a investidura republicana no próximo verão, Nikki estará na pole-position. Ou, pelo menos, a postos..E há também uma herança mais institucional, globalista e clássica - da qual, curiosamente, Nikki Haley não é totalmente originária - que a candidata pretende agarrar, provando que essa via ainda poderá ter futuro, noutra fase do Partido Republicano, quando este balão populista e identitário rebentar..Uma Super Terça-Feira diferente das outras.A “Super Tuesday” tem uma aura muito especial na história da primárias partidárias nos EUA. É o dia mais importante de um processo que, todo ele, se reveste de uma enorme importância nas campanhas eleitorais na América..É certo que, na última década e meia, a Super Terça-Feira tem vindo a perder alguma força, devido às alterações nos calendários dos partidos, que tem criado algumas mudanças na data de realização das primárias em estados como o Michigan. .Ainda assim, o número de estados que vão a concurso no mesmo dia continua a ser muito significativo. Desta vez, na Super Terça-Feira deste 5 de março de 2024 irão a jogo 16 estados e um território: Alabama, Alasca (só o Partido Republicano), Arkansas Califórnia, Colorado, Iowa, Maine, Massachusetts, Minnesota, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont, Virgínia (e ainda o território da Samoa Americana)..No caso dos republicanos, estarão 840 delegados em jogo (cerca de um terço do total da Convenção que se realizará este ano em Milwaukee, Wisconsin, entre 15 e 18 de julho..Apesar da diferença nas percentagens de voto não estar a ser tão grande como se esperaria, Trump tem já uma vantagem nos delegados arrecadados bem mais significativa. Um exemplo: na Carolina do Sul, Donald obteve 60% dos votos, mas isso deu-lhe direito a quase 100% dos delegados - algo que decorre do que os americanos designam de “winner takes all” (o vencedor fica com tudo). O racional desta fórmula passa por dar prioridade não a uma distribuição proporcional (como em eleições parlamentares para verter os diferentes pesos dos partidos), mas sim reforçar a tendência de quem está à frente, para que a probabilidade de se encontrar um escolhido seja mais forte..Olhando para o padrão dos resultados até agora, é de esperar que Trump arrecade entre 80 a 90% dos delegados - basta que, para tal, obtenha à volta de 60% dos votos em jogo. .Os que se recusaram a desistir.Se tal acontecer, fica muito difícil para Nikki manter a narrativa da continuidade em jogo. Mas, na verdade, se o fizer não será caso inédito. Isso aconteceu, por exemplo, com Ted Cruz e, sobretudo, John Kasich nas primárias republicanas de 2016 (Trump já tinha a nomeação mais que assegurada e ambos prosseguiram quase até ao fim); John McCain em 2000, depois de já ser claro que tinha perdido para George W. Bush - e, curiosamente, oito anos depois McCain viria mesmo a obter a nomeação, o que dará em parte razão à tese de Nikki de que valerá a pena continuar. .Outros casos de quem se recusou a desistir, mesmo sabendo que já tinha perdido: Howard Dean nas primárias democratas de 2004 (Kerry já tinha os delegados), John Edwards em 2008 (quando todos já só olhavam para o histórico duelo Obama vs Hillary), Newt Gingrich e Rick Santorum em 2012 (com Mitt Romney já mais do que nomeado)..E, claro, houve também o caso admirável de Bernie Sanders, nas primárias democratas de 2016, que partiu de uma posição idêntica à de Nikki em 2024 (com muito poucos pontos percentuais, apenas um dígito) e atingiu 45% do campo democrata, perante a superfavorita Hillary Clinton (que havia arrancado como uma espécie de vencedora antecipada e chegou à Convenção Democrata com uns apertados 55% de votos, mas percentagem bem maior de delegados, graças aos notáveis do partido)..Nikki precisava de fazer um caminho idêntico - mas é quase certo que não chegará aos 45% de Sanders em 2016. O desafio que está a fazer ao favorito dominador é, mesmo assim, comparável, embora as lógicas de “tribo” de republicanos em 2024 e democratas em 2016 sejam completamente distintas.