O poder de sanção é do eleitor

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Estamos (quase) todos de acordo na condenação da boçalidade das afirmações dirigidas por uma deputada do Chega a uma deputada invisual de outra bancada durante um debate ocorrido na Assembleia da República. O episódio justificou mesmo um pedido de desculpas público de um deputado da própria bancada do Chega (Henrique Freitas), o que só por si revela a gravidade do momento.

A acumulação de episódios como este, mais ou menos graves, levou a uma discussão sobre a possibilidade de estabelecer um conjunto de sanções para comportamentos menos adequados de deputados.

Este caminho tem, todavia, três problemas.

O primeiro é o da operacionalização destas sanções. Quem as aplica? Quem decide o que é grave e o que não é? É fácil de ver que estaria aberta a porta a uma enorme arbitrariedade, fácil de instrumentalizar ao sabor das maiorias do momento.

O segundo problema é o de desresponsabilizar os eleitos e, sobretudo, os eleitores. A escolha de eleitos é uma manifestação de democracia e de liberdade. É aos eleitores que cabe também um papel fundamental de avaliação do desempenho daqueles que escolheram. Reveem-se os eleitores nos comportamentos dos deputados que elegeram? Em caso afirmativo, é provável que votem novamente nos mesmos no futuro. Pelo contrário, se não considerarem adequados determinados comportamentos é de esperar que reflitam esse descontentamento nas suas escolhas futuras.

É importante que os eleitores assumam a responsabilidade das suas escolhas e que esta não seja substituída por vírgulas, alíneas ou parágrafos de regulamentos disciplinares.

Mas isso significa que comportamentos graves só serão eventualmente punidos em eleições futuras. O que fazer no entretanto? Esta questão leva-nos ao terceiro problema do caminho das sanções: o de desresponsabilizar as lideranças partidárias e parlamentares.

Sejamos claros: comportamentos que têm sido atribuídos sobretudo à bancada do Chega (é justo dizer que há outras bancadas que pontualmente apresentam também condutas questionáveis) terminarão no dia em que o líder do partido ou o líder da bancada derem instruções claras no sentido de não serem admissíveis. Isto é, tais comportamentos só continuam se os líderes dos partidos e das bancadas quiserem. E se derem orientações e estas não forem respeitadas, aí estaremos perante um problema de liderança que, mais uma vez, os eleitores terão de avaliar em futuras eleições.

É por isso que não faz sentido esconder atrás de regulamentos e sanções algo que cabe aos eleitores avaliarem através do seu voto e às lideranças parlamentares e partidárias conformar através das suas orientações. Os eleitores e as lideranças têm de assumir as suas responsabilidades.

O caminho certo é o da liberdade de expressão. Tudo o resto constitui uma menorização que é estranha à própria democracia que será sempre mais incompleta se não incluir a dimensão da responsabilidade dos eleitos pela sua conduta, dos eleitores pelas escolhas que fazem e das lideranças por definirem ou não orientações que são respeitadas.

Presidente da Iniciativa Liberal

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