O país a arder (outra vez)
Depois de vários meses de acalmia no continente (ao contrário do que se tinha passado na Madeira), eis que os fogos chegaram de forma descontrolada mesmo no final do verão. A área ardida galgou rapidamente e, em poucos dias, este tornou-se um dos piores anos da última década.
Assisti aos acontecimentos com preocupação - em jogo estão vidas humanas, incluindo dos corajosos homens e mulheres que se entregam à proteção civil -, mas também com frustração. Digo frustração porque, nos últimos anos, vi serem realizadas na Zona Centro obras de instalação de estradões florestais e limpeza de grandes áreas de proteção, e a reforma da Proteção Civil tinha sido uma realidade por mim já elogiada. A verdade é que, perante condições climatéricas muito adversas, de pouco valeu o trabalho antes realizado.
A verdade insofismável é que o despovoamento do interior e a persistência de um povoamento florestal orientado para o rendimento rápido, com pouco ou nenhum cuidado das áreas plantadas (o eucalipto à cabeça das opções economicamente mais aliciantes), leva a que periodicamente, após alguns anos de queimada, regresse de forma explosiva o risco de novos incêndios de larga escala no mesmo território, por a matéria combustível recuperar, nesse período (uma dezena de anos ou um pouco menos), todo o seu potencial combustível.
Lembro-me do efeito devastador no Caramulo dos incêndios de 2017, e como dos populares se ouvia: “Isto nunca mais será o mesmo.” Pois bem, regressar hoje àquelas áreas ardidas é ver as giestas altas, os pinheiros e eucaliptos já enormes, a Natureza renascida em todo seu esplendor (mas também trazendo todo o risco de novos e grandes incêndios).
Com o avançar das alterações climáticas, fica cada vez mais óbvio que o povoamento do território está desajustado das condições naturais prevalecentes. Será preciso uma coragem enorme para intervir no reordenamento florestal do país, muito para lá do que já foi feito, e muitas vezes contra a vontade de proprietários que vêm curto ou que não têm simplesmente as posses para proceder às mudanças que se reclamam.
Conhecer a propriedade rústica, avançar de modo decidido com soluções de gestão coletiva dos espaços rurais, alterar de modo permanente as escolhas do plantio nas zonas de risco é necessário e urgente, se se pretender evitar que daqui a uns anos estejamos outra vez a lamentar uma nova vaga de incêndios. Nos concelhos agora afetados, temos mais ou menos uma década para agir…
Será o país capaz de gerar consensos para tão dramática reforma? A ajuizar pelas rábulas contínuas em torno da elaboração do Orçamento de Estado, receio bem que não. Continuamos apenas em modo de política de curto prazo, depois do derrube incompreensível de uma maioria absoluta.
8 valores: Luís Montenegro
Andou bem o primeiro-ministro, primeiro, adiando a sua agenda partidária para se concentrar na resposta à calamidade que assolava o país. Andou muito mal depois, quando quis apagar a imagem de uma ministra fraca e desaparecida e quis ser mais populista que o Chega, desviando atenções para o tema do fogo posto. Não prestou nenhum bom serviço à resolução estrutural dos problemas do mundo rural, antes pelo contrário.