O negócio que ameaça o direito à reforma

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O Tribunal de Contas Europeu (TCE) apresentou recentemente um relatório sobre os regimes privados de pensões na União Europeia (UE). São 82 páginas de observações, recomendações e anexos documentais em que se identificam algumas das consequências do caminho que a UE tem feito no sentido do desmantelamento dos sistemas públicos, universais e solidários de Segurança Social e da privatização dos regimes de pensões.

Apesar de os regimes de pensões serem de competência nacional, a UE tem encontrado formas (mais ou menos directas) de pressionar para a transformação do direito à reforma num negócio. Um negócio que movimenta hoje, em toda a UE, cerca de 2,8 mil milhões de euros, envolvendo 47 milhões de clientes/beneficiários.

É um negócio bilionário para fundos de pensões e outras entidades da mais variada espécie mas um negócio de risco elevado para trabalhadores e pensionistas. E aquele relatório do TCE identifica muitos desses riscos.

Do vasto conjunto de elementos suscitados pelo relatório destacam-se três.

O primeiro é o de não se fazer nenhuma avaliação do impacto que tem no direito à reforma e nos sistemas de Segurança Social públicos, universais e solidários a opção de promoção de regimes privados de pensões e dos seus produtos financeiros.

Aquela opção arrasta atrás de si o desvio de recursos financeiros e a consequente redução de contribuições para os sistemas públicos. Essa opção privatizadora põe em risco o direito à reforma em geral e, talvez por isso, não se queira avaliar o seu impacto e os riscos que implica para os trabalhadores de hoje e pensionistas de amanhã.

Em segundo lugar, o TCE constata que o Produto Individual de Reforma Pan-Europeu, criado pela UE, tem fraca adesão porque não tem associados benefícios fiscais e porque impõe um tecto aos custos que os fundos de pensões podem cobrar aos seus clientes.

Ou seja, trata-se de um produto financeiro privado que só funciona se tiver subsidiação pública por via do dinheiro dos impostos e se os seus negociantes puderem cobrar aos clientes os custos que entenderem.

Por fim, o TCE afirma que há problemas com a supervisão, com a avaliação dos riscos sistémicos e com a transparência na relação com os clientes/beneficiários.

Diz o relatório do TCE que as entidades que gerem os regimes privados de pensões não são expressamente obrigadas a agir em conformidade com o princípio do dever de diligência para com os seus beneficiários, que a sinalização dos riscos sistémicos pela Autoridade Europeia não é eficaz e que os instrumentos de que essa Autoridade dispõe não proporcionaram transparência quanto aos custos e retornos dos clientes dos regimes privados de pensões.

Tendo em conta os escândalos a que já assistimos de falências de fundos privados de pensões que, da noite para o dia, deixaram milhões de pensionistas sem um cêntimo das suas pensões, estas não são preocupações pequenas.

No fim de tudo, fica claro: direito à reforma com uma pensão digna e segura, só com sistemas públicos de pensões robustos.

Eurodeputado

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