O negócio da Educação
Mais de metade dos alunos que frequentam o Ensino Secundário privado em Portugal são superatletas, dotados de extraordinárias aptidões e destreza física ao nível dos melhores desportistas. Não duvide, caro leitor. É um facto comprovado pelos mais recentes dados divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC): 52% das notas a Educação Física nos colégios são de 19 ou 20 valores.
Excelentes sinais de saúde física e bem-estar, reflexo de um país que valoriza a vida ativa e saudável, certo? Pois, todos sabemos que não. Pelo contrário, Portugal é o país da União Europeia com pior índice de atividade física.
O fenómeno é outro e conhecido de todos os portugueses há vários anos: a inflação de notas praticada por vários colégios privados para facilitar o acesso ao Ensino Superior. O mais recente relatório sobre as classificações internas nos cursos científico-humanísticos, divulgado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação aos jornalistas na última semana, mostra que desde o ano letivo de 2020/21 a nota que mais se repetiu nas escolas privadas foi de 19 valores - nas escolas públicas a nota dominante (moda) também subiu, para 17.
Numa dezena de disciplinas, a sabedoria e conhecimentos da maioria dos alunos nos colégios privados atinge mesmo a nota máxima: 20 valores é a classificação mais atribuída em cadeiras que vão de Aplicações Informáticas a Inglês, Psicologia a Economia ou Biologia, além da já citada Educação Física. Nas escolas públicas também acontece, mas num número bem menor: apenas quatro.
Sabe-se que há diferenças naturais entre o ensino público e privado que propiciam maiores taxas de sucesso escolar entre quem tem possibilidades económicas de aceder ao ecossistema privado, diferenças essas que têm sido exponenciadas pela degradação da escola pública nas últimas décadas. Mas o que não se pode aceitar é a contínua viciação das regras do jogo que deixa em xeque a qualidade e a equidade do Sistema Educativo, sobretudo no que respeita a esse momento definidor na vida da maioria dos jovens, que é o acesso ao Ensino Superior.
O padrão de anormalidade está perfeitamente identificado e assinalado pelos próprios especialistas da DGEEC, que falam em concentração de notas “invulgarmente elevadas” em algumas escolas e disciplinas. Em 36 colégios analisados, um terço dos alunos do Secundário obtiveram mesmo 19 e 20 valores a todas as disciplinas no ano letivo passado. Ora, sabemos todos, essa qualidade excecional tem estado longe de se refletir nas avaliações internacionais.
Se estivermos efetivamente preocupados em garantir que a Educação é o campo das oportunidades para todos, talvez seja altura de repensar a sério um Sistema Educativo que continua desproporcionalmente ancorado na ideia de justeza da avaliação contínua pelas notas internas, o que faz hoje do Secundário (e do acesso ao Superior), sobretudo, um terreno fértil para o negócio.
Editor do Diário de Notícias