O mundo meu é pequeno, Senhor
Daqui a poucas semanas recomeça a escola. Ansiedades, expectativas receios são frequentes e naturais nas crianças e nos pais. A transição do mundo pequeno ou mais alargado – em função das crianças terem permanecido em casa ou terem já frequentado o jardim-de-infância – para o mundo das aprendizagens formais comporta muitas vezes para pais e filhos algumas ansiedades negativas. Talvez estes anseios pudessem ser menorizados se os processos de ensino e aprendizagem não continuassem a ser demasiado centrados em instruções diretas e se tivessem mais em conta os conhecimentos que as crianças trazem consigo sobre a linguagem escrita e sobre os números. Talvez a transição da educação pré-escolar para o primeiro ciclo pudesse ser menos abrupta no sentido de dar continuidade às aprendizagens já realizadas de modo informal pelas crianças.
Essas ansiedades são muitas vezes ampliadas em relação às crianças que fazem os seis anos entre outubro e dezembro. O dilema coloca-se, do ponto de vista de muitos pais entre o atrasar um ano no caso de não entrarem no primeiro ciclo ou o deixá-las "amadurecer" tendo em conta que são mais novas do que os colegas. Esta decisão para muitos pais é muitas vezes mediada pelas vagas da escola próxima da casa da família. E aí a questão é colocada de forma simples, talvez excessivamente simples: se houver vaga entram, se não houver vaga ficam à espera mais um ano. Noutros casos sugere-se a consulta de um psicólogo que defina a maturidade da criança, conceito que do meu ponto de vista é por vezes algo vago… Este conceito abrange tanto aspetos comportamentais como pré-requisitos de aprendizagem sem ter em conta os próprios contextos de aprendizagem que as crianças irão frequentar. Por exemplo, a dimensão da maturidade comportamental terá de ser considerada de forma diferente consoante se exige no primeiro ano que uma criança esteja 50 minutos a fazer uma ficha de trabalho mantendo-se continuamente concentrada ou quando se faz um trabalho colaborativo e um trabalho individual mais curto. Também do ponto de vista da maturidade intelectual nem sempre são equacionadas as competências que a investigação recente reforça como estando mais diretamente relacionadas com o sucesso na aprendizagem da leitura e escrita ou da matemática - exemplo a consciência fonológica ou o conhecimento de letras para o caso da aprendizagem da leitura e escrita.
Cada criança é um ser singular e essa singularidade é o mais importante a considerar de forma a assegurar um desenvolvimento equilibrado, feliz e aprendizagens de sucesso em relação a todas as crianças – e não apenas estas do digamos "limbo etário". Neste contexto é interessante evocar esta passagem do poeta Manuel de Barros no momento de levar uma criança pela mão à escola, acrescentando aliás todo o ano letivo: "O mundo meu é pequeno, Senhor/ (…) No fundo do quintal há um menino e as suas latas maravilhosas/ e todas as coisas desse lugar estão comprometidas com as aves."