O legado do Santo Padre aos empresários

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Enquanto o mundo chora a perda do Papa Francisco vieram à memória relatos já pouco presentes de reuniões no Vaticano no início do seu pontificado, solicitadas pelo Santo Padre para trocar impressões com empresários católicos sobre a forma de superar a exclusão social e económica.

Este diálogo ocorre pouco depois de Francisco ter escrito a Evangelii Gaudium, obra onde pede a Deus que os políticos ganhem maior consciência para a necessidade de um "diálogo político sincero e eficaz" e sejam capazes de enfrentar as barreiras sociais e económicas que ameaçam as sociedades da Humanidade em todas as suas formas e geografias.

O Papa foi mais longe ao defender uma "nova mentalidade política e económica que ajude a derrubar o muro de separação entre a economia empresarial e o bem comum da sociedade". Mas o que quis dizer o Santo Padre com esta separação e porquê tão forte como um muro?  

Já não pode haver dúvidas de que a sociedade atual reconhece que vive numa economia global de duas velocidades que serve generosamente uma "minoria móvel" às custas da “maioria imóvel”. Na sua edição de 2025, O Edelman Trust Barometer, um inquérito anual a 33.000 pessoas de 28 países tira uma conclusão dramática: 61%  dos entrevistados acredita "... que o governo e as empresas tornam as suas vidas mais difíceis e servem interesses estreitos e que as pessoas mais ricas beneficiam injustamente do sistema." refletindo o sentimento público que tem minado a estabilidade política e a ordem social num número crescente de países e regiões. Por outras palavras, há claramente uma consciência social crescente de que “a maioria não pode entrar na padaria e fica à janela a olhar para dentro com tristeza e resignação”.

Esta separação entre a economia real e a economia do bem comum nasce da mentalidade prevalecente de que a criação de riqueza era o propósito, o objetivo último de qualquer indivíduo ou empresa. Mas sabemos hoje que a riqueza é muito mais do que o net worth de cada um e que o verdadeiro propósito tem de ser mais elevado, capaz de deitar abaixo o muro (1) criando riqueza através da oferta no mercado de bens e serviços que melhorem a vida das pessoas e (2) partilhando a riqueza criada com segmentos sociais desfavorecidos.

É este o entendimento da Igreja e do Papa Francisco. E não faltam exemplos inspiradores que conduziram a sua vida com uma Fé inquebrantável e com a felicidade de partilhar a riqueza com outros.  Como disse o maior filantropo da História, John D. Rockefeller, “a missão de um empresário é ser um mensageiro de Deus na criação de riqueza e na sua distribuição para o bem comum”

Há um ano atrás aceitei o repto da ACEGE para identificar e caracterizar os dez maiores empresários cristãos das ultimas gerações e retirar as lições mais relevantes do legado de cada um para os empresários e gestores atuais. O grande Padre basco José Maria Arizmendiarrieta ou os empresários Ernesto Shaw, George Cadbury, HJ Heinz ou JD Rockefeller entre outros comungaram da mesma filosofia de criar riqueza com uma oferta atrativa, acessível e benéfica para a sociedade em geral (chocolate, ketchup, petróleo, os sapatos TOMS ...) e separar a maioria dessa riqueza para fomentar o bem social das formas mais diversas. Pode encontrar os textos dedicados a cada um no site online VER da ACEGE ou no meu Linkedin

Voltando à economia real, o espírito da acumulação de riqueza como propósito do indivíduo e da empresa deriva de uma interpretação fundamentalista e materialista dos princípios de base do capitalismo, talvez o mais famoso articulado por Milton Friedman: "As empresas só têm uma finalidade: usar  recursos para se envolver em atividades destinadas a aumentar o seu lucro..." E está aqui o pretexto do pensamento e da ação que acaba por gerar o "muro entre a economia e o bem comum..." que o Santo Padre denunciou.

Mas o capitalismo tem inevitavelmente de ser materialista e desumano ? Claro que não. Recuemos no tempo para ouvir o pai intelectual do capitalismo moderno, Adam Smith. Se olharmos com atenção, vemos que defendia de forma obstinada que a livre iniciativa exigia fortes bases morais e éticas. Smith é mais conhecido pelo seu livro de 1776, The Wealth of Nations – mas ele próprio deu maior valor ao seu trabalho anterior, The Theory of Moral Sentiments, no qual advoga de forma veemente "a capacidade de pensar e agir moralmente em face do puro interesse natural".

Como empresários ou gestores, não seria mais oportuno do que nestes dias de luto pelo Santo Padre recordar a importância da mobilização da minoria para reduzir o sofrimento da maioria. Nas palavras do querido e saudoso Papa Francisco “os negócios são uma vocação, uma nobre vocação, desde que os que nela se empenham se vejam desafiados por um sentido maior da vida", permitindo-lhes "servir verdadeiramente o bem comum, esforçando-se por aumentar os bens deste mundo e torná-los mais acessíveis a todos". Quando assim for, o mundo será um lugar muito melhor... e o muro não será mais do que são hoje os muros de Adriano, Jericó ou Berlim.

Empresário, Gestor e Consultor

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