O impacto das tarifas Trump em Portugal deve ser levado a sério
As promessas da política tarifária de Trump face à UE preocupam. É verdade que quando iniciou o seu primeiro mandato, muitas das suas promessas mais agressivas ficaram pelo caminho e ainda agora cede na negociação com o México e o Canadá . Mas se impuser de facto as famosas tarifas à UE, qual pode ser o impacto para Portugal? Como contexto, proponho um breve olhar para dois casos determinantes por diferentes razões, Irlanda e Alemanha. E depois tratamos de Portugal.
A Irlanda tem feito gala em ganhar força cavalgando os EUA. No final de 2022 o stock de IDE na Irlanda representava 254% do PIB, aproximadamente quatro vezes a média da UE, com 38% originários dos EUA através de farmacêuticas e gigantes tech americanos instalados na Irlanda. E é de longe o país da UE que mais exporta para os EUA - 27% das exportações totais e 45,8% de todas as exportações extra UE quando a média do bloco é inferior a 20%. Hoje, arrisca-se a uma migração catastrófica dos gigantes tech de volta aos EUA levando o balanço comercial consigo.
A Alemanha é bem diferente. Só 22% das exportações extra UE vão para os EUA, mas em termos absolutos, para uma economia em crise de identidade e recessão, é um volume enorme. Ainda sem as novas tarifas, o cenário já é negro: a Associação das Câmaras de Indústria e Comércio da Alemanha espera uma queda de 0,5% no PIB a PPP em 2025 ... com o governo federal a projetar uma melhoria de 0,3%.
Em resposta à ameaça, a UE prometeu retaliação. Mas não há consenso - uns acham inevitável não ficar de braços cruzados e outros, com uma visão menos arrojada ou mais prudente, acham que o protecionismo é inimigo da globalização e da competitividade, e desencadear uma guerra comercial gera impactos imprevisíveis na economia.
Vejamos finalmente o caso de Portugal. De acordo com o INE, os EUA são o quarto maior destino da produção nacional de bens e serviços com quase 7% do volume total e um valor que chega perto dos 9 mil milhões de euros (mM€). E as exportações portuguesas cresceram mais para os EUA do que para qualquer outro dos dez principais mercados de destino nacionais, ficando apenas atrás da Alemanha - onde as nossas exportações cresceram 19,5% em boa medida pelo efeito da deslocalização da produção da Alemanha, resultante da redução de custos associada à recessão da economia (ex.: AutoEuropa, Continental).
Apesar da crescente importância dos EUA na nossa balança comercial, há analistas nacionais para os quais Portugal, dentro da UE, tem uma exposição “pouco significativa” aos EUA e será, por isso, dos países menos afetados pelas tarifas norte-americanas, tanto mais que Portugal tem “defesas particulares”, por exemplo o crescente turismo norte americano, hoje o maior mercado de origem de Portugal.
Mas será realista esta visão tão otimista e relaxada em relação ao impacto das tarifas Trump sobre Portugal? E será sustentável que a balança comercial de bens e serviços face aos Estados Unidos continue como sempre positiva para Portugal desde que há registo? Para responder é essencial ver a situação mais de perto: evitar a perspetiva académica e ver a realidade no terreno, perceber o impacto onde vai doer: nas empresas.
De facto, existem setores-chave da economia que dependem fortemente dos EUA ou onde os EUA são o mercado em maior crescimento. Onde as empresas investiram muito para entrar e conquistar posições. E por isso é determinante sair das generalidades e compreender a vastidão de setores e empresas onde o mercado dos EUA é relevante ou mesmo decisivo.
A categoria de produtos químicos é a maior exportadora de bens para os EUA com uma quota de 26,7%. Tal deve-se em larga medida ao setor farmacêutico, para o qual os EUA são o maior mercado externo absorvendo mais de 30% da produção total do setor.
Seguem-se, no ranking, os setores de combustíveis minerais (17,9%), maquinaria industrial, equipamentos elétricos e eletrónicos (10,2%), plásticos e borracha (7,2%) e metalúrgico e metalomecânico (6,2%, 773M€). E há que ter em conta os setores automóvel (560M€), cortiça (300M€), produtos alimentares (235,7M€), bebidas e vinho (117M€), mobiliário ou vestuário e calçado. À exceção do primeiro caso, muito concentrado, o impacto de uma redução de encomendas dos EUA será seguramente muito relevante para várias empresas destes setores, cuja importância na economia, na indústria ou no emprego em Portugal é inquestionável
Já no que toca aos serviços, Portugal exporta cerca de 6mM€ em novembro, um aumento de 22% face a 2023. Apesar de justificado em larga medida (45% do aumento) pelo crescimento de Portugal como destino para o turismo americano. Acresce a exportação de serviços de transporte e telecomunicações, informática e informação. O setor de turismo pode ficar imune ao aumento de tarifas, mas isso não se passará seguramente com os restantes.
É verdade que Portugal não está tão exposto ao impacto das tarifas Trump como outros países da UE - os EUA nunca foram um mercado de topo para as nossas exportações e o crescente afluxo turístico norte americano é uma benesse importante para a balança comercial. Mas não é correto ou justo dizer que o efeito das tarifas para Portugal será pequeno quando um setor com a dimensão e importância para o país como o farmacêutico depende tanto dos EUA e será inevitavelmente afetado pelas novas tarifas. Ou quando há tantos setores importantes da nossa economia com dezenas de empresas dependentes dos EUA que têm de ser preparadas para cenários desfavoráveis sob pena de verem a sua viabilidade seriamente afetada.
Nesta ótica, quem venha defender que estamos numa situação de proteção natural está a ser perigosamente superficial e a prejudicar seriamente a inevitável mobilização do país na proteção dos setores e empresas sob risco face às potenciais tarifas Trump.
Empresário, gestor e consultor