O grande teste de Kamala Harris
As Eleições Presidenciais norte-americanas são multifatoriais. A tentação de apontar apenas um evento como definidor é grande: mas será, muito provavelmente, errada e redutora.
Até esta eleição era historicamente errado afirmar-se que os debates presidenciais eram decisivos nas corridas eleitorais americanas. Claro que são sempre momentos muito importantes. Mas basta lembrar 2004 e 2016, dois anos em que os nomeados presidenciais democratas - John Kerry e Hillary Clinton - venceram nas sondagens pós-debate dos três duelos televisivos com George W. Bush e Donald Trump, respetivamente. E, no entanto, foram os republicanos a ser eleitos. Houve também o caso de 2012, em que Barack Obama terá tido o pior momento da sua carreira política no primeiro debate com Mitt Romney (perdeu largamente) e, ainda assim, conseguiu recuperar a tempo de ser reeleito com alguma folga.
Sucede que em 2024 já houve um debate decisivo. Foi a 27 de junho e acabou com a candidatura de um presidente dos EUA incumbente: Joe Biden.
Nesta eleição renhida, cada vez mais apertada e atípica em várias coisas - um dos candidatos já foi presidente e quer voltar a ser, está na terceira nomeação seguida e promoveu, ao rejeitar a derrota em 2020, um ataque ao Capitólio; a outra é a primeira mulher negra a obter a nomeação presidencial de um dos grandes partidos do sistema, mas não passou por Primárias, o que já não acontecia desde 1968 com Hubert Humphrey -, o debate desta terça, na ABC, promete vir a ter uma grande importância.
Os candidatos chegam ao embate da Pensilvânia num empate quase total. Mas tudo indica que será mais importante para Kamala do que para Trump.
Porquê? Porque quase todo o eleitorado americano já conhece Donald Trump e tem uma opinião formada em relação a ele: ligeiramente mais de metade não gosta ou até detesta; ligeiramente mais de um terço adora e idolatra; à volta de um quinto oscila entre aceitar ou rejeitar.
Já quanto a Kamala Harris, as coisas são bem diferentes. Apesar de ser vice-presidente em funções, a verdade é que 28% dos americanos diz precisar de saber mais sobre a candidata democrata para ter uma opinião formada relativamente a ela (sondagem NYT/Siena). Dito de outra forma: o eleitorado potencial de Kamala é ligeiramente maior que o de Trump - e isso dá uma boa oportunidade ao triunfo democrata. Mas Trump tem a sua base mais solidificada.
“A New Way Forward”
As próximas semanas serão um teste maior a Kamala: talvez por isso a campanha democrata já anunciou um “tour agressivo de quatro dias” pelos estados decisivos, com o lema “A New Way Forward”. Latinos (onde Trump tem vindo a recuperar ligeiramente) e independentes (onde Kamala lidera, mas não com a vantagem que Biden tinha sobre Trump em 2020) serão dois segmentos especialmente focados nesse tour de Kamala pós-debate.
A campanha de Harris vai começar a apresentar um novo anúncio televisivo, que divulga os seus planos para reduzir os impostos da classe média, limitar os preços dos medicamentos sujeitos a receita médica e resolver o problema da falta de habitação. Os anúncios fazem parte de um investimento mediático mais vasto de 370 milhões de dólares e serão adaptados a cada Estado para os eleitores do Arizona, Nevada, Geórgia, Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Carolina do Norte e Nebrasca. A campanha democrata considera que tem espaço para persuadir os eleitores antes de se focar mais intensamente na afluência às urnas, com o início da votação antecipada (que já arrancou na passada sexta-feira, com o envio dos boletins por correio na Carolina do Norte). A digressão “New Way Forward” incluirá um novo anúncio televisivo, comícios, eventos de angariação de fundos e programas destinados a grupos de eleitores importantes.
Logo após o debate desta noite, os líderes políticos vão comemorar, na quarta-feira, o aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001. Kamala iniciará, logo a seguir, o tour que culminará no Mês Nacional da Herança Hispânica, que se assinala a 15 de setembro. As viagens começam na quinta-feira, na Carolina do Norte, dia em que o seu companheiro de candidatura, o governador do Minnesota, Tim Walz, estará no Michigan. Na sexta-feira, Harris regressará à Pensilvânia, enquanto Walz estará em Michigan e Wisconsin.
Trump a recuperar nos latinos
Um dos pilares da recuperação de Kamala pós-desistência Biden foi o voto dos latinos. Harris surge, em sondagem Reuters/Ipsos, 13 pontos à frente de Trump nas preferências dos hispânicos e isso dá-lhe algumas hipóteses de disputar Estados como Arizona, Nevada ou até Geórgia. Mas Trump também está a contar com uma boa fatia dos latinos para poder regressar à Casa Branca. Com a ajuda de um tema específico: a imigração.
De acordo com a mesma sondagem, 42% dos hispânicos confiam mais em Trump na imigração, para 37% que dão preferência a Kamala (sobrando uma boa fatia de indecisos). Na Economia regista-se um empate: 39/39. Isso mostra, uma vez mais, uma boa recuperação de Kamala em relação ao ponto onde estava Biden: em maio, o ainda presidente ficava a quatro pontos de Trump na economia entre os hispânicos. Já quanto aos cuidados de saúde, Kamala tem 18 pontos de avanço sobre Trump nos hispânicos, 23 pontos percentuais de vantagem nas alterações climáticas.
Biden bateu Trump, em 2020, no eleitorado hispânico por 21 pontos percentuais; 65-34. Os 13 de vantagem que Kamala tem neste momento, sendo estimulantes, podem não chegar para vencer o Sun Belt. Será uma questão de detalhes.
Corrida cada vez mais apertada
Sondagem CBS News dá uma vantagem curta a Kamala Harris no plano nacional (51/49), com vantagem ainda mais curta no Michigan (50/49). Na Pensilvânia confirma-se um empate total: 50-50. Quanto ao Sun Belt, a média das sondagens do New York Times aponta empates 48/48 no Arizona, Geórgia e Nevada. O mesmo acontece na Carolina do Norte. A corrida presidencial norte-americana está virtualmente empatada, na véspera do debate decisivo, a realizar na Pensilvânia. E parece confirmar-se a ideia, ainda por explicar na sua verdadeira extensão, de que Trump tem vindo a recuperar ligeiramente, após a queda do mês anterior.
O “efeito Kamala” parece ter terminado. E nem sequer se pode afirmar que tenha havido um grande salto pós-Convenção - apenas uns pozinhos de subida. A nível nacional, a média da vantagem Kamala pré-convenção era de +2,3%. Está agora nos 3%, ainda que a última (NYT/Siena) até coloque Trump um ponto à frente (embora com um critério de ponderação discutível, o de se ter sobrevalorizado os votantes “sem college degree” (e que votam maioritariamente Trump).
O problema no atual momento de Kamala está em dois Estados: Pensilvânia (vantagem reduziu de +1,6 para +0,6% pós-convenção) e sobretudo no Arizona (+0,9% Kamala pré-convenção,+1,5% Trump agora, possivelmente empurrado pelo efeito do apoio de Kennedy a Trump). E ainda na Carolina do Norte: passou de ligeira vantagem Kamala para ligeira vantagem Trump. No Michigan e no Wisconsin, Kamala também perdeu gás nos últimos dias, mas mantém-se com avanço considerável. Já em relação à Geórgia, regista-se a direção oposta: Trump estava na liderança, agora é Kamala com pequena vantagem.