Os resultados das últimas legislativas - o ganho de músculo do Chega e a performance anémica do PS - reforçaram a convicção no Governo de que a sua visão relativamente à imigração está certa e é para reforçar.
Há, de facto, uma grande fatia da sociedade - e, mais uma vez, a votação de 18 de maio comprova-o - que defende a opção de aplicar maior controlo à entrada de migrantes, acabando com atribuição de cidadania apenas com uma “manifestação de interesse” e impondo regras mais apertadas ao reagrupamento familiar.
Neste tema, tão importante para os portugueses, a coligação AD ganhou as eleições, apesar da enorme polémica em torno do primeiro-ministro Luís Montenegro e das avenças pagas às suas empresas, com base nessa premissa: “fechar a porta escancarada”.
Mas o Governo anterior, em campanha e antes disso, evitou largamente a demonização da imigração - papel que deixou livre para o mais radical André Ventura -, tendo sempre mais cuidado na forma como foi dizendo que a economia portuguesa tem vindo a precisar, e ainda precisa, de imigrantes para muitos dos trabalhos para os quais já nem sequer há cidadãos portugueses.
Porque a realidade vai ser cada vez mais esta: se há anos os imigrantes estavam a fazer o trabalho que os portugueses não queriam, neste momento estão cada vez mais a fazer as tarefas para as quais não há cidadãos portugueses suficientes para as desempenhar.
A entrevista que o DN publica na edição de hoje com Ana Jacinto, máxima responsável da associação que representa a restauração, deveria abrir-nos os olhos. O setor vive um momento de crise quase sem precedentes (talvez só comparável à pandemia), no qual se associa um aumento do preço das matérias-primas à pressão constante sobre os salários para poder encontrar pessoas para servir os clientes ou para lhes cozinhar as refeições.
Não é despropositado recordar que se a indústria tecnológica portuguesa tiver problemas isso motiva umas quantas notícias nos jornais e um reforço dos programas de apoio estatais. Mas se a restauração e as atividades turísticas se constiparem, a economia nacional cai de cama com gripe.
O Governo parece ter consciência disso e também parece disposto a que, coletivamente, paguemos o preço. Na recente apresentação do plano para as migrações, o ministro da tutela foi questionado sobre em que medida o travão à entrada de migrantes menos qualificados, em detrimento dos “altamente qualificados”, poderia impactar as empresas. A resposta foi surpreendentemente clara: “As empresas vão ter de se habituar” à ideia de que terão de pagar melhor para reter o talento de que precisam.
Na verdade, o Executivo de Luís Montenegro parece estar a preparar já os portugueses para eventuais soluços na economia, com menor crescimento e aumentos da dívida pública - seja para pagar metas da NATO ou não. É claro que os resultados das eleições de 18 de maio lhe dão esse mandato, porque foi isso que os eleitores quiseram.
Veremos se ficamos por aqui ou se a AD vai fazer mais concessões ao Chega em matéria de migrações para aprovar medidas noutras áreas, como nos impostos, por exemplo. O fim do verão, da época de fogos e o arranque do debate do OE para 2026 poderão vir a definir o rumo que a nossa sociedade vai tomar nos próximos anos.
Diretor adjunto do Diário de Notícias