O futuro da França
Vivemos um período preocupante e histórico pois as nossas escolhas irão condicionar o nosso futuro, o das gerações vindouras e o lugar da França no mundo.
A dissolução provocou, inesperadamente, uma saída da letargia, uma revitalização política e uma reconfiguração: à esquerda, a partir de uma fragmentação política, a constituição de uma nova Frente Popular (NFP). À direita e à extrema-direita, com a crise dos Republicanos, a Reconquista de Zemmour, e a polarização em torno da Reunião Nacional (RN). Dois blocos, RN e NFP, tendem agora a confrontar-se, esmagando o centro de Macron.
Hoje, o RN apresenta-se de certo modo “travestido” com roupagens mais suaves: republicanismo, democracia, pró-judaísmo - posições em que é difícil acreditarmos. Marine Le Pen suavizou o seu discurso e Bardella tem vindo a atrair um público jovem, sobretudo nas redes sociais.
O RN evoluiu na Europa e declara-se actualmente respeitador das regras democráticas, favorável às campanhas sobre as Finanças Públicas e defensor do aumento do poder de compra, mas permanece firme nas suas bases ultradireitistas: rejeição à imigração e preferência nacional, e as suas alianças europeias (Orbán, Meloni, anteriormente Putin), são as de potências neoautoritárias.
Um quarto dos franceses apostou, não noutra política, mas no niilismo, no ódio e na destruição metódica de valores que encontraram a solidariedade entre os franceses. Marine Le Pen e os seus acólitos escondem mal a sua impaciência em derrubar a nossa Constituição, as nossas Instituições, os nossos tratados, a nossa vocação europeísta, bem como todo o aparato de costumes e leis baseados nos valores da tolerância e do respeito pela dignidade humana…
O NFP está contaminado por disputas pessoais internas de pessoas que pouco, ou nada, acrescentam à sociedade francesa e pela ausência de pensamento inovador, que pesa sobre o futuro da esquerda. Trata-se de construir uma nova concepção do mundo, do homem, da História e de se preencher um vazio. Este trabalho de refundação deve ser acompanhado por uma renovação geracional e por uma política de igualdade de género que permita uma verdadeira feminização da política. E continuamos à espera da construção de um novo caminho que ligue indissoluvelmente a reforma económica, a reforma do Estado e a reforma ecológica. Esta é a condição essencial para que a esquerda se torne um partido governamental transformador. E, no entanto, apesar das suas deficiências e fragilidades, o NFP é o único recurso contra o crescente RN e o declínio vertiginoso do movimento de direita de Macron.
Neste dia 7 de julho, a votação poderá não conseguir oferecer uma maioria absoluta à Assembleia Nacional, abrindo-se o espectro da ingovernabilidade do país.
O que poderá acontecer então?
Muito provavelmente, um longo período de instabilidade, com vários Governos sucessivos estando qualquer primeiro-ministro exposto à votação de uma moção de censura. Perante tal situação de bloqueio, sem precedentes em França, restariam apenas quatro soluções: um cenário “Monti”, de um Governo de técnicos sem coloração política ou filiação partidária que administre o país, ou possível recurso, pelo presidente Macron, ao artigo 16.º da Constituição, caso surja desordem após as Eleições Legislativas.
O intrépido presidente poderia considerar essa via, mas por sua própria conta e risco sopesando uma dupla barreira, política e jurisdicional, para evitar o recurso abusivo ao preocupante artigo 16.º.
Mas ainda existe outra hipótese... Se o RN não ultrapassar o limiar dos 289 assentos em 577, situação longe de ser certa já tendo Bardella declarado que se recusaria a ser primeiro-ministro, um Governo de unidade nacional, ir-se-ia então impor com a aproximação de personalidades de direita e de esquerda, porque o momento não é mais de antifascismo encantatório, mas de responsabilidades. A ideia é avançar na classe política, dos republicanos aos ambientalistas, única forma de afastar o RN de Matignon. Mas um tal Governo político implica chegar a acordo sobre um programa, mesmo que mínimo, e sobre o nome de um primeiro-ministro que alcançasse consenso para conquistar a confiança da Assembleia Nacional.
Finalmente, uma solução ainda mais a curto prazo poderia ser manter o actual Governo em gestão corrente. Gerindo e governando apenas sobre o que foi decidido antes da dissolução, mas não sobre nada de novo. Esse cenário teria vantagens quase imediatas após a segunda volta, proporcionando um acolhimento normal aos Jogos Olímpicos.
Em qualquer caso, não poderá ser realizada nova dissolução no ano seguinte a estas eleições, nos termos do artigo 12.º da Constituição. O bloqueio não poderia, portanto, ser resolvido nas urnas no curto prazo.
Como escreveu Castellion em 1562: a posteridade não poderá compreender que tivemos de cair novamente nessas trevas depois de termos conhecido a luz.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.