O fracasso do Estado
Não há um dia que não sejamos, desagradavelmente, surpreendidos por um qualquer momento de fracasso do Estado. Ou é a fuga, meticulosamente, preparada por cinco perigosos delinquentes que se evadiram porque os guardas da prisão, ou os seus responsáveis máximos, não fizeram, corretamente, o seu trabalho de modo a evitar a fuga, ou são os incêndios que, apesar do crescimento de meios de combate, periodicamente, nos batem à porta. Depois de promessas várias, reformas da floresta, reforço de meios, mais sapadores florestais, o envolvimento da GNR, alterações legislativas, obrigatoriedade de limpezas de terrenos, basta que os deuses alinhem os fatores meteorológicos com muito calor, algum vento e quase nenhuma humidade para que os incêndios se propaguem com casas a arder e vítimas mortais.
Depois, lá vêm as afirmações oficiais, vazias de conteúdo! Marcelo diz que “aprendemos com a experiência”, (gostávamos de saber o quê), Montenegro avisa-nos que “serão horas difíceis nos próximos dias”. Pois é, já constatámos que sim!
Todavia, não há uma palavra sobre o que, verdadeiramente, importa no combate aos incêndios. Eu que vou, frequentemente, ao Alentejo verifico o crescimento desmesurado do plantio de eucalipto. Onde, antes, havia forragem para o gado, ou sobreiros e azinheiras, cresceram eucaliptais a perder de vista. A tão propalada reforma da floresta, o PDM florestal, que deveria promover um salutar equilíbrio no plantio de espécies florestais resistentes ao fogo, não passa de uma miragem. E os eucaliptos crescem à medida da ganância dos interesses da indústria da celulose. Sobre esta realidade não se ouve um pio governamental ou presidencial. Sabe-se lá como está a tão falada reforma florestal!
Dizem-nos que a maioria dos incêndios tem mão criminosa. Mas de quem? Faço perguntas, não acusações. São os pastores para obterem forragem nova para o seu gado? Os madeireiros, para tornarem mais barato o preço da madeira? É a indústria da celulose para ganhar novos espaços para o cultivo do eucalipto? São as empresas detentoras de aviões de combate aos incêndios? São pirómanos loucos com fascínio pelo fogo e prazer de verem as chamas destruírem o património florestal? Afinal quem são os responsáveis? Seria bom que, um dia, as autoridades policiais e judiciais nos esclarecessem. Quem está por trás desta calamidade nacional?
Quando nos bate à porta a inevitabilidade meteorológica na temperatura, humidade e vento de feição, lá surge a mão criminosa, indecifrável, desconhecida, a atear o fogo numa qualquer floresta do país. Alguma desta gente é conhecida, sabe-se quem são. A Polícia Judiciária tem uma base de dados de incendiários mas, preventivamente, nada pode ser feito para evitar que atuem, porque a legislação não permite uma detenção preventiva ou uma atenção mais vigilante das autoridades judiciais, porque a lei não contempla essa opção. Mas por que raio não se altera a lei?
Depois, as chamas alastram e os meios, sobretudo aviões, lá levantam voo num combate de horas que nos custa os olhos da cara por cada hora de voo.
Enquanto a floresta arde são criados novos organismos institucionais como o AGIF, a quem compete a coordenação estratégica e a avalização integrada dos fogos rurais. Lá são contratados novos quadros, pagos a peso de ouro, com onerosas ações de formação no estrangeiro, mas cuja atuação no terreno não se faz sentir. E a floresta continua a arder.
Há uma inexplicável e preocupante falta de articulação nos vários agentes institucionais encarregados de prevenir e combater os incêndios. Onde deveria haver articulação e ligação entre instituições há caos. Na habitual lógica de “cada um no seu quintal”, não existe uma articulação entre os ministérios do Ambiente e da Administração Interna. Apesar das promessas, dos anúncios, do sistemático reforço de meios, a floresta arde todos os anos. É o dinheiro dos impostos dos portugueses gasto, inutilmente, sem o resultado que se deveria conseguir. Seja na fuga de cinco perigosos delinquentes ou nas labaredas que, anualmente, marcam presença nas nossas florestas, é o Estado a fracassar nas suas funções vitais.