O falso ensaio

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Estamos na primeira semana de “ensaio” para as novas provas ModA, a realizar nos 4.º e 6.º anos, em ambiente digital, assim como para as provas finais de 9.º ano, que serão aplicadas em formato “híbrido”, com o enunciado em suporte digital, mas parte das respostas em papel.

Desde já gostaria de deixar claras duas posições: em primeiro lugar, sou completamente a favor da realização de provas de avaliação externa, com relevância para a progressão dos alunos, no final dos diferentes ciclos do Ensino Básico; em segundo, acho indispensável que os alunos estejam devidamente preparados para a sua realização no suporte escolhido, em particular o digital.

O que é diferente de concordar com pseudo-ensaios, que pretendem substituir uma adequada “preparação” dos alunos, realizados em condições muito diferentes das que devem existir no momento das provas “a sério”. Essa “preparação” tem diversos elementos. Ou deveria ter. Do ponto de vista técnico, muito está por resolver em muitas escolas do país, por muito boas que sejam algumas declarações de dirigentes escolares, que gostam de revelar uma enorme boa vontade e positividade, menos quando é para assumir o que não corre bem.

Não tenho nada a desconfiar de quem diz que nas suas escolas tudo corre sobre rodas, computadores distribuídos e funcionais, net a galope por salas e corredores. Ainda bem. Mas, depois, não parece razoável desconfiar do que observo e de outros relatos que descrevem panoramas bem menos idílicos.

Por outro lado, a par dos aspectos técnicos, há que desenvolver nos alunos toda uma literacia digital, que não se pode resumir ao utilizador de jogos, ao consumidor acrítico de redes sociais ou a um pretenso “produtor de conteúdos” que se limita a virar uma câmara para si, enquanto faz poses e diz umas coisas giras.

Divulgou-se o mito dos “nativos digitais”, que “já nasceram com o chip”, não se definindo exactamente o que isso quer dizer. Em regra, quer dizer alguém que sabe interagir com um ecrã, usando os dedos e seguindo instruções, desde que não sejam muito complexas.

Voltando ao início… estas “provas-ensaio” não o são verdadeiramente, porque muito pouco corresponde às condições das provas a realizar em Maio e Junho. Estas são feitas pelo meio das aulas, em horário lectivo, hora sim, hora não, com as turmas completas acantonadas nas salas. No caso das provas de 6.º ano, as componentes de Matemática e Ciências são feitas agora em dias diferentes, ao contrário das que se vão realizar no 3.º período.

Em algumas escolas, para tentar minorar algum caos, optou-se por ensaiar o ensaio. Quando o que deveria ser feito, com a orientação a partir de cima, sem voluntarismos apressados, seria “preparar” alunos e escolas, com tempo, para a tal “transição digital” que, por este andar, não passa de um horizonte cada vez mais distante.

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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