O eterno Canal do Panamá

Publicado a

Ao que tudo indica, algumas iniciativas da Política Externa de Donald Trump, vistas com grande escândalo e alarme no exterior, não foram assim tão mal recebidas pelos destinatários imediatos. Foi o caso do México e do Canadá. Logo a seguir às anunciadas “tarifas” sobre os bens importados nos Estados Unidos, registaram-se telefonemas amistosos do presidente americano com a sua homóloga mexicana Claudia Sheinbaum e com o primeiro-ministro Trudeau, voluntariando-se os interlocutores para o controlo das fronteiras e recebendo em troca um adiamento do início dos direitos alfandegários. Os mexicanos vão pôr 10 mil guardas nacionais na fronteira para impedir o tráfico de droga e a passagem de ilegais.

Outro ponto crítico é o Canal do Panamá, a mais que famosa ligação entre o Pacífico e o Atlântico que deu lugar a um mais que famoso escândalo em França, nos finais do século XIX.

Concluído em 1914, o canal esteve sob controlo americano até 1977, quando Jimmy Carter decidiu que os EUA iriam devolver gradualmente a gestão ao Panamá, mediante um tratado que assegurasse a neutralidade do Canal e do seu tráfego; e desde 1999 que uma entidade pública panamense controla o Canal.

Mas ao que parece - há versões contraditórias sobre o tema - Washington acha agora que o facto de o Panamá ter entrado na Nova Rota da Seda de Pequim, a Belt and Road Initiative, viola o Treaty Concerning the Permanent Neutrality and Operation of the Panama Canal.

Nas últimas duas décadas, a China ganhou muita influência na América Latina através de grandes investimentos e acordos económicos e comerciais. O secretário de Estado Marco Rubio, em conversa com o presidente José Raúl Mulino do Panamá, sublinhou, com alguma brutalidade, que os Estados Unidos nunca poderiam aceitar “que o Partido Comunista Chinês exercesse influência sobre o tráfeco do Canal, violando o estatuto de neutralidade”.

De facto, em dois portos vizinhos do Canal (Balboa e Cristobal) o controlo do tráfego é feito pela Hutchison-Whampoa, empresa da CK Hutchison Holdings do empresário Li Ka-shing, de Hong Kong. Daí chega informação estratégica a Pequim sobre o tráfego do Canal, o que, para alguns especialistas, como Ryan Berg, pode fazer subir a tensão geopolítica na zona; até porque, em 2017, o governo do Panamá trocou Taiwan pela República Popular da China.

O Canal é a maior fonte de receitas do Panamá - cinco mil milhões de dólares/ano - e, apesar de a Hutchison Holdings ser privada, sabe-se a autoridade que o governo chinês tem sobre os seus empresários. Embora Rubio tenha sido recebido por um impressionante cortejo de populares com bandeiras panamianas, a habitual queima de bandeiras americanas frente à embaixada foi obra de um pequeno grupo de manifestantes.

Entretanto, os efeitos secundários da diplomacia “forte” de Trump parecem ter causado o efeito desejado: depois da reunião com Rubio, o presidente Mulino afirmou que o Panamá não só não vai renovar o acordo da China Belt and Road de 2017, como até poderá pôr-lhe termo antecipadamente.

Assim, a política da “América para os Americanos” e a política de “Cuidado com a China” (uma política bipartidária norte-americana) parecem estar a ter sucesso, independentemente de alguns órgãos de informação continuarem a insistir na “loucura” de Trump e na “insensatez” da sua estratégia externa.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Diário de Notícias
www.dn.pt