O Ensino Superior, a ciência e os municípios: a abertura de uma nova era
A publicação do Orçamento do Estado para 2024 trouxe uma novidade que, para a maioria, passou completamente despercebida, mas que creio ser da maior importância para o país nos domínios do Ensino Superior e da ciência. Trata-se de uma cirúrgica alteração ao artigo 33.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que estabelece as competências materiais das câmaras municipais. Foi aí acrescentada uma nova alínea, na qual se prevê que os municípios possam deliberar sobre formas de apoio, em complementaridade com o Estado, às instituições do Ensino Superior e do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, para a requalificação de equipamentos e infraestruturas ou para o desenvolvimento de projetos ou ações, de interesse para o município.
Sabemos bem que o investimento do país em ciência fica muito aquém do desejável. E também conhecemos as pulsões mercantilistas do Ensino Superior público, que mais não visam do que desresponsabilizar o Estado das suas obrigações de financiar o Ensino Superior. Note-se, porém, que a competência em matéria de Ensino Superior e Ciência não é transferida para os municípios. Nem estes ficam obrigados a promover o investimento em Ensino Superior e Ciência. Mas as câmaras municipais que o quiserem fazer, de acordo com o seu modelo de desenvolvimento e planos de intervenção no território, veem agora materializada na letra da lei uma nova norma que as habilita a prosseguir por esse caminho, em parceria com as instituições do ecossistema local de Ensino Superior, Ciência e Inovação.
É a abertura de uma nova era, em que, não tenho a menor dúvida, várias câmaras municipais aprofundarão as suas relações com as instituições de Ciência e Ensino Superior, contribuindo para acelerar o investimento nestes domínios.
Quando, em 2019, o Município de Oeiras lançou publicamente a sua pioneira Estratégia Oeiras Ciência e Tecnologia (EOCT 2025), na presença e com a participação de todas as instituições de Ciência e Ensino Superior do concelho, certamente não se previa que quase cinco anos depois se reconheceria no regime jurídico das autarquias locais o papel crítico que os municípios podem ter na promoção do investimento nesta área, acrescentando valor, acelerando projetos e colocando definitivamente a Ciência, a Tecnolo- gia e Inovação no epicentro das políticas de desenvolvimento local.
Esta alteração legislativa era o que faltava para acelerar o passo e continuar a afirmar o papel relevantíssimo que os municípios podem ter nesta área. Num país pequeno como Portugal, onde os recursos são quase sempre escassos e insuficientes para a dimensão das ambições de quem acredita que o Ensino Superior, a Ciência e a Inovação são centrais para a criação de valor e riqueza na nova economia, a colaboração deve ser a nossa principal metodologia de trabalho e a rede o nosso principal instrumento de ligação.
As redes municipais e intermunicipais de parcerias nos domínios da Ciência, Inovação e Ensino Superior, que ligam as instituições às empresas e todos ao território, podem muito bem afirmar-se como uma nova estratégia de trabalho e transformação territorial, em que aqueles domínios se posicionam como camada superior de um modelo de desenvolvimento regional e local, que neles reconhece os vetores da criação de valor, emprego qualificado e riqueza.
Professor do Ensino Superior