O efeito Trump no Canadá e na Austrália

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John Blaxland, professor na Australian National University mas atualmente a viver em Washington, quando lhe perguntei sobre a força da relação da Austrália com os Estados Unidos, respondeu-me assim: “São duas democracias de mercado livre, de língua inglesa, federais, cosmopolitas, do novo mundo, de dimensão continental. Consegue nomear algum outro país assim no mundo? Só há mais um. É o Canadá.”

Desde a passagem do académico australiano por Lisboa, para uma conferência no Instituto de Defesa Nacional, em finais de março, foram a votos duas das três “democracias de mercado livre, de língua inglesa, federais, cosmopolitas, do novo mundo, de dimensão continental”, o Canadá e a Austrália. E em ambos os países, seja nas legislativas canadianas de 28 de abril, seja nas australianas do último sábado, os partidos que estavam no governo voltaram a ganhar, confirmando a inversão nas preferências do eleitorado que as sondagens mais recentes mostravam, depois de um período em que pareciam destinados a serem escorraçados do poder.

Haverá várias explicações para essas inversões nas sondagens, que de repente pouparam governos desgastados, mas a mais evidente é a reação de canadianos e australianos à mudança de presidente na outra das “democracias de mercado livre, de língua inglesa, federais, cosmopolitas, do novo mundo, de dimensão continental”, esses Estados Unidos que desde 20 de janeiro têm de novo Donald Trump na presidência. Não só canadianos e australianos não gostaram da forma como Washington passou a lidar com os aliados mundo fora, incluindo Otava e Camberra, como sobretudo desautorizaram os dois políticos de direita que, já se imaginando os futuros primeiros-ministros, pensaram que um certo alinhamento com o pensamento trumpista traria dividendos. Pierre Poilievre, conservador, falava, por exemplo, de cortar na ajuda externa e no apoio aos media. Já o australiano Peter Dutton, candidato da coligação entre o Partido Liberal e o Partido Nacional, insistia na redução do investimento público e na crítica à imigração, mas mesmo assim, mantendo mais distância com o estilo do presidente americano do que o que aconteceu com o candidato canadiano.

No Canadá, continuará a governar o liberal Mark Carney, que substituiu pouco antes das eleições Justin Trudeau. Na Austrália, o trabalhista Anthony Albanese, foi reconfirmado como primeiro-ministro. Ambos, obviamente, terão agora como um dos grandes desafios lidar com Trump. Até porque o Canadá tem uma ligação estreitíssima com os Estados Unidos, seu único vizinho, com o qual partilham nove mil quilómetros de fronteira, e são parceiros na NATO, enquanto a Austrália, apesar da distância que a separa da América do Norte, conta com a tradicional proteção dos americanos, hoje contra aquilo que considera a ameaça chinesa, basta pensar no AUKUS.

E sim, como sublinhou Blaxland na entrevista ao DN, há, além do interesse geopolítico partilhado, afinidades muito fortes entre os três países, capazes de resistir mesmo a choques de personalidade entre os líderes. Aquela ideia de se tratar de três “democracias de mercado livre, de língua inglesa, federais, cosmopolitas, do novo mundo, de dimensão continental” faz todo o sentido.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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