O confisco dos fundos russos congelados
Tem estado a ser discutida, no seio do G7, a possibilidade de fundos da Federação Russa, que estão congelados, serem utilizados para financiar a Ucrânia. A discussão tem estado focada no confisco de tais fundos.
É discutível se tal é legalmente possível sem violação do princípio da imunidade de jurisdição (State Immunity) e do Direito Internacional consuetudinário. Um dos principais pilares dos países do Ocidente é o primado da lei. É crucial que assim continue a ser. E existem pareceres jurídicos bem fundamentados sustentando a legalidade de tal confisco. Há ainda limitações decorrentes da eventual necessidade de autorização parlamentar ou de legislação especial.
Os Executivos receiam ainda que um tal confisco tenha um impacto negativo no fluxo de capitais para instituições bancárias estado-unidenses e europeias e no depósito de títulos na Euroclear e no Banco da Reserva Federal de Nova Iorque, na procura por obrigações do Tesouro dos EUA e europeias, bem como no papel do dólar dos EUA e do euro como divisas aceites internacionalmente. A larga maioria destes fundos russos estão na Europa (c. 210 mil milhões de euros (mM€), dos quais 191 mM€ estão na Euroclear e 19 mM€ em França. Os principais países europeus estão reticentes; têm receio de abrir um precedente de consequências imprevisíveis e de descredibilizar a Euroclear provocando, a prazo, a fragmentação dos depositários fiáveis de valores mobiliários mundiais. Temem ainda que tal faça a Rússia concretizar as ameaças de retaliar com o confisco de fundos e ativos de Estados (e companhias) ocidentais na Federação Russa. A decisão tornou-se urgente a partir do momento em que o Congresso americano, por objeção da maioria republicana na Câmara dos Representantes, bloqueou nova ajuda financeira à Ucrânia (apesar de 90% da ajuda financeira estado-unidense à Ucrânia ficar nos EUA). Na UE, a oposição da Hungria e a [habitual] paranoia alemã com a emissão de dívida europeia são entraves ao aumento da ajuda financeira europeia. E a crescente insatisfação da opinião pública europeia - face aos efeitos económicos da guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia e à falta de fim à vista - também limita a margem de manobra da Comissão. Os 300 mM€ de fundos e ativos financeiros russos que estão congelados pelos Tesouros Ocidentais são agora essenciais para suportar o esforço de guerra na Ucrânia e para ajudar na reconstrução das infraestruturas ucranianas.
No atual pano de fundo histórico, o pior que o Ocidente pode fazer é ser pusilânime. Permitir que a agressão e invasão russas não resulte em efeitos lesivos dos interesses da Federação Russa é dar um péssimo sinal e uma inaceitável complacência com uma flagrante violação do Direito Internacional seguida de reiteradas violações do Direito Humanitário e do direito da guerra. O ideal é uma atuação concertada do Ocidente. Mas a Rússia tem de ser responsabilizada e urge tomar uma decisão. Deve ser tomada a decisão política de confisco. E esta decisão deve ser tomada pela UE. Porque é na UE que se encontra a larga maioria destes fundos soberanos russos, porque, nas instituições europeias, há forte vontade política de apoio à resistência ucraniana, e porque são os europeus que estão na linha da frente. Os EUA que se juntem, se quiserem e puderem.
Consultor financeiro e business developer
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