Na semana passada, uma manchete do Diário de Notícias refletia uma realidade crescente na sociedade portuguesa: a corrida às escolas privadas continua a aumentar, com cada vez mais pais a depositarem nos colégios a confiança para o percurso académico dos seus filhos. E esse é um facto, sublinham os próprios diretores do ensino particular, que está longe de ser exclusivo das famílias mais abastadas, com o perfil de quem procura o privado a evoluir também para estratos sociais mais baixos, que, apesar dos aumentos anuais dos valores de matrícula, fazem esforços suplementares para terem os filhos em colégios..A Educação como um elevador social é, em Portugal, um conceito cada vez mais privatizado. Fruto de opções políticas que transformaram o Sistema de Ensino numa espécie de indústria de notas e rankings, comercializando o que deveria ser tendencialmente um serviço universal e gratuito, promotor de igualdade de oportunidades, a que se aliou um quase abandono da escola pública, votada praticamente ao papel de um Serviço de Urgência Educativo, disfuncional, para cumprir mínimos assistenciais (e constitucionais)..A degradação da escola pública - que, atravessando vários Governos de diferentes ideologias, se agudizou nos últimos anos de governação PS, incompreensível para quem tem a escola pública como uma das suas principais bandeiras ideológicas - tem servido naturalmente para reforçar a via privada do ensino. O que leva cada vez mais pais, legitimamente preocupados em providenciar aos filhos as melhores condições para serem bem-sucedidos no percurso académico, a esforçarem-se por pagar uma matrícula num colégio privado..Os dados mais recentes divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) revelam que dois em cada 10 alunos frequentavam escolas privadas no ano letivo de 2021/2022. De lá para cá, embora ainda sem dados oficiais, sabe-se que o número tem aumentado..Também sem surpresa, o maior crescimento no privado foi no Ensino Secundário, onde os colégios contavam com 84 768 estudantes matriculados em 2021/22, o equivalente a cerca de 21% do total. Em Lisboa e no Porto, já há inclusive mais estabelecimentos privados do que escolas públicas..Todos sabemos - e uma investigação da Inspeção-Geral de Educação e Ciência comprovou-o em 2019, por exemplo - que há uma facilidade em inflacionar notas no Ensino Secundário privado, numa fase crucial para definir o futuro de milhares de jovens, todos os anos. E todos sabemos como as regras de acesso ao Ensino Superior compensam o “crime”. Os pais sabem-no. Basta aliás fazerem uma qualquer simulação online para perceberem que um mero e insuspeito valor de diferença na média interna do Secundário (0 a 20) entre um aluno de público e do privado faz com que sejam precisos mais 2 a 3 valores (0 a 20) num exame nacional para compensar esse handicap..Se aliarmos a isso a falta recorrente de professores, as greves constantes, os meios escassos ou obsoletos ou a ausência de apoio escolar eficiente na escola pública, torna-se, de facto, difícil não entrar na regra do jogo: os pais fazem contas ao orçamento e todos os esforços possíveis para dar aos filhos a melhor hipótese de entrarem nos cursos universitários mais pretendidos. E se entrar no Curso X fica incomparavelmente mais fácil frequentando o Colégio Y no Secundário, onde o sistema está montado para produzir esse resultado, com orientação específica, apoio eficaz e, se preciso for, talvez até uma décima a mais na classificação final, é óbvio que o vão tentar..Mas se alguns pais ainda conseguirão hipotecar casa, abdicar de carro e sabe-se lá o que mais por esse bilhete de acesso ao elevador social, a maioria das famílias de classe média/baixa tem mesmo de se ficar pelas escadas. Dados recentes da Direção-Geral do Ensino Superior mostram-nos que menos de metade (44,35%) dos estudantes com o escalão máximo de Ação Social que completam o Secundário transitam para o Superior. E apenas 6% destes entram nos chamados cursos de excelência - a maioria deles devido ao recente contingente prioritário criado para alunos do escalão A..Por si só, promover a liberdade de escolha entre público e privado - como acontece em alguns países através de cheque-ensino, por exemplo - não passaria, na realidade portuguesa, de um logro maior que serviria, sobretudo, para acrescentar camadas a esta lógica comercial do percurso académico. Basta olhar para a concentração geográfica do ensino privado no litoral para antever como isso introduziria um mecanismo de desigualdade ainda maior..O que urge devolver ao Sistema Educativo é o regular funcionamento do elevador social em todos os seus edifícios, e não normalizar a ideia de um serviço acessível apenas em algumas escolas, mediante a aquisição prévia de bilhete, alimentando a lógica de uma meritocracia de berço..Editor do Diário de Notícias