O AVC não pode esperar
"Anda avô, corre! Anda ver os patinhos!", grita Tomás entusiasmado enquanto puxa o avô pelo braço. O avô Sebastião, na verdade bisavô, de sorriso rasgado, esforça-se por acompanhar o bisneto. Apesar da sua boa condição física, aos 84 anos, toda aquela energia do bisneto já é, por vezes, difícil de acompanhar. A verdade é que nada o enche tanto de felicidade.
Há um ano, após ter sofrido um AVC, quando apenas se deslocava com apoio de um andarilho, chegou a pensar que jamais seria capaz de voltar a ter uma manhã assim. Na altura, a reação da mulher, a rápida chegada ao hospital e o tratamento atempado foram decisivos, recuperando bastante nos primeiros dias. Mas, ainda assim, aquando da alta, ainda precisava de apoio para andar.
Felizmente, teve sempre o apoio da família e pôde voltar a ser internado dias depois para retomar os tratamentos de reabilitação. Conseguiu progressivamente retomar a vida habitual, sem grandes limitações e hoje considera-se um homem de sorte, sentindo que a vida lhe deu uma segunda oportunidade.
Sebastião começou a dar muito mais importância aos pequenos momentos da vida. Passou a ter acompanhamento médico regular, preocupa-se com a saúde como nunca e conseguiu cumprir a promessa que fez ao bisneto de deixar de fumar. O AVC de Sebastião foi um momento de união e aprendizagem para toda a família. A caminhada familiar ao domingo passou a ser uma atividade indispensável. Está mais feliz do que nunca e disse-me, recentemente, que "assim vale a pena envelhecer".
Nesta faixa etária, como em todas as outras, o combate ao AVC começa pela prevenção. Se a idade não é modificável, conhecer e controlar os fatores de risco como a hipertensão, a diabetes, o colesterol elevado, o tabagismo ou a obesidade e adotar estilos de vida saudável, incluindo a prática regular de exercício físico - e uma dieta pobre em gordura e outros alimentos ricos em colesterol e rica em frutas e legumes frescos - são pilares fundamentais deste processo.
Numa idade em que a expressão destas doenças reflete muitos dos erros comportamentais e alimentares de toda uma vida, é fundamental que a população idosa possa ser alertada para a importância da identificação e controlo destes fatores modificáveis, nos quais o próprio doente tem um papel decisivo. O acompanhamento médico regular é outra medida fundamental, garantindo o diagnóstico atempado e o tratamento de muitas destas doenças.
O médico assistente, em articulação com o doente, com a família, cuidadores e, sempre que se justifique, com outras estruturas da comunidade, tem aqui um papel decisivo como garante do acompanhamento e concretização das medidas a aplicar. Apesar dos esforços contínuos na educação para a saúde e no reforço das medidas de prevenção primária, o AVC continua a ser uma doença muito prevalente.
Com a operacionalização da Via Verde AVC, o desenvolvimento de novos e eficazes tratamentos e a constituição de múltiplas unidades especializadas para o tratamento - Unidades de AVC - conseguiu-se uma redução significativa da mortalidade no nosso país. A possibilidade de tratar eficazmente um doente com AVC começa com a necessária identificação por parte do próprio ou de quem o acompanha, dos chamados sinais de alarme do AVC, os 3 F"s: Fala (dificuldade em falar), Face (desvio da face ou "boca ao lado") e Força (diminuição da força num membro).
O contacto imediato com o número de emergência 112 permite o adequado encaminhamento do doente para um hospital com capacidade para realizar os tratamentos eficazes. Sendo tratamentos cuja eficácia é muito dependente do tempo, é fundamental uma ativação imediata desta cadeia de cuidados porque "tempo é cérebro". Apesar de todas as campanhas de sensibilização, muitos são os doentes que chegam tardiamente ao hospital, em particular os mais idosos, pelo que é fundamental insistir na divulgação da mensagem e combater energicamente a clássica passividade do "esperar que passe".
No que diz respeito à reabilitação, é importante salientar que, nesta faixa etária, perto de 25% dos doentes com AVC ficam com uma incapacidade ligeira e aproximadamente 40% com uma incapacidade moderada a grave. A reabilitação, em particular do doente com AVC, continua a ser uma área onde é necessário prosseguir a aposta na acessibilidade. Uma parte importante dos ganhos obtidos na fase de tratamento agudo perdem-se pela quebra de continuidade no processo de reabilitação, tema este que deve ser encarado como uma prioridade máxima.
No que diz respeito aos mais velhos, a reabilitação coloca desafios acrescidos, quer pelo impacto direto do AVC, quer pelas doenças e limitações físicas e cognitivas pré-existentes nesta população. Estes fatores devem ser encarados como desafios acrescidos e levados em consideração na definição dos programas de reabilitação.
O período inicial após o internamento de fase aguda representa uma fase crucial no processo de reabilitação, onde os ganhos tendem a ser maiores. É um período de angústia, de choque com a realidade, de confronto com as limitações e em que doentes e famílias necessitam de apoio, de um suporte sólido, de um programa estruturado que permita vislumbrar com confiança o retorno a uma envolvência familiar e social saudáveis.
Para que tal seja possível é fundamental o acompanhamento continuado, presente, interventivo por uma equipa multidisciplinar diferenciada de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas da fala, assistentes sociais, entre outros, que garanta a máxima excelência de cuidados. No idoso, em particular, o combate ao isolamento e à solidão, a promoção da saúde mental, com particular enfoque nos aspetos emocionais e cognitivos, são aspetos críticos do retorno à vida saudável.
Neste Dia Nacional do Doente com AVC é necessário recordar que devemos ser todos agentes ativos no combate a este verdadeiro problema de saúde pública, onde é necessário atuar em conjunto para educar, prevenir, tratar e reabilitar.
Neurologista no Hospital CUF Tejo e Hospital CUF Santarém