O ataque é a melhor defesa?

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O apoio dos Estados Unidos da América a Israel é, no atual contexto da guerra na Faixa de Gaza, matéria controversa e pode ser objeto de diversas análises. Desde logo a nível interno, num ano de eleições presidenciais, em que fazer perigar o apoio a um aliado internacional de longa data - e com uma expressão interna tão forte como a israelita, ou judaica - pode ser crucial na contagem final dos votos.

Antes de mais, a aliança entre americanos e israelitas dura desde a criação do estado Judaico. Recorde-se que desde o outono de 2016 que existe um acordo firmado, à época pela administração Obama, que assegura a Isael o financiamento militar de 38 mil milhões de dólares ao longo de 10 anos.

Nessa altura o presidente americano disse que “o fornecimento continuo do armamento tecnologicamente mais avançado vai assegurar que Israel tem a capacidade de se defender de todo o tipo de ameaças”. Ora, este acordo na altura não levantou qualquer controvérsia e foram poucos os que manifestaram alguma preocupação de como esse armamento poderia vir a ser utilizado.

Estamos a falar de valores anuais de 3.3 mil milhões de dólares para armas e outros 500 milhões para misseis de defesa. Hoje, apenas oito anos volvidos, a questão de manter este apoio a Israel, com a crescente utilização deste armamento em Gaza contra alvos civis, começa a causar fortes “embaraços” à administração Biden.

Ou seja, o poderio bélico israelita de cariz defensivo tornou-se agora numa máquina beligerante de ataque. É por isso indisfarçável o incómodo do governo americano face às crescentes dúvidas se a atual estratégia militar do governo de Benjamin Netanyahu não passou já todas as linhas vermelhas.

Ainda assim, há que não perder de vista o objetivo mais global do tradicional apoio americano. Um Estado de Israel forte é sinónimo, na visão dos americanos, de equilíbrio e estabilidade naquela região do globo, preocupação que é tanto mais relevante quando crescem as preocupações face a como responderá o Irão aos ataques recentemente sofridos em Damasco.

Mas no passado não faltam exemplos de como os apoios taticistas dos americanos - naquela região, mas também noutra latitudes – se transformaram em fortes amargos de boca. Para quem não se recorda, o deposto tirano Saddam Hussein chegou a ser apoiado e financiado pela Administração Reagan nos anos 80, na guerra Irão/Iraque, e Bin Laden recebeu, alegadamente, apoio da CIA para combater no Afeganistão

Voltando ao presente, parece que a cada dia que passa a discussão em torno da semântica israelita aumenta a pressão em torno dos próprios Estados Unidos. Por sua vez, as Nações Unidas e a União Europeia pedem, e bem, a libertação dos reféns israelitas ainda em cativeiro e o fim do “castigo coletivo” em Gaza.

Os avisos cada vez mais sonoros de Biden dirigidos a Tel Aviv têm até ao momento sido ignorados. Mas os Estados Unidos da América serão mesmo a charneira desta guerra: o equilíbrio cada vez mais instável da aliança com Israel vai ser, seguramente, tema da próxima campanha presidencial e há que encontrar forma de fazer parar esta guerra e, ao mesmo tempo, não inviabilizar a manutenção do apoio ao Estado de Israel.

Sem querer fazer futurologia, esta fronteira mal definida entre “defesa” e “ataque” trará ainda muitos dissabores a americanos e israelistas. Para os primeiros, a manutenção do apoio militar e público poderá ter grandes custos eleitorais internos e de perceção negativa por parte da comunidade internacional, sobretudo pelo apoio a uma guerra injustificável; para os segundos, as armas e os dólares da terra do tio Sam podem estar em risco de diminuir drasticamente e isso seria um forte revés para a máquina militar da estrela de David.

Entretanto, a guerra faz vítimas diariamente. Para essas, bem como para os israelitas afetados pelos brutais ataque ocorridos há seis meses, a semântica importa pouco.

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