Não estamos preparados para uma invasão alienígena*
Não há nada pior para uma sociedade da informação do que ficar sem informação. O apagão total que surpreendeu o país nesta segunda-feira não foi um capricho da natureza, mas uma falha num sistema montado pelo Homem. Demonstrou-nos a extrema dependência do setor energético, mas também a sua surpreendente fragilidade. Bastou uma anomalia na rede elétrica espanhola para o disjuntor disparar em Portugal.
De um momento para o outro os elevadores pararam, o metro foi interrompido, os semáforos apagaram-se, aqui e ali elétricos foram abandonados à sua sorte. O telefone fixo, a rede móvel e a internet deixaram de funcionar. Os lojistas, impedidos de abrir as caixas registadoras, só aceitavam dinheiro vivo, uma chatice quando os Multibancos não estão operacionais. Houve voos cancelados e nos hospitais os serviços não urgentes foram adiados. Esta segunda-feira, os donos de um fogão a gás descobriram que até o botão do isqueiro funciona a eletricidade. O caos engoliu a cidade – e imagino que o país. Quem não tinha gerador e um rádio a pilhas viu-se desligado do resto do mundo.
Todos sabemos que prolongados períodos de silêncio das autoridades em momentos de crise criam incerteza, fazem crescer boatos, alimentam os piores receios, teorias conspirativas e a irracionalidade. Como a corrida aos supermercados que esgotou água engarrafada e enlatados, como se o fim-do-mundo estivesse próximo. E até podia estar, já que ninguém o desmentiu. Sem comunicações, não havia a quem perguntar, mas, mais grave, também não havia quem tentasse responder, nem desmentisse a teoria do ciberataque russo, que foi a primeira a circular.
As comunicações oficiais demoraram demasiado. De viva-voz, a REN só falou às 18:30; sem ser para garantir que estava a trabalhar, o primeiro-ministro falou quando a eletricidade começou a ser reposta; o primeiro contacto da Proteção Civil com a população chegou, por SMS, 10 horas depois do início do apagão. Sem informação oficial concreta, nem atualizações horárias, ninguém soube para o que se devia preparar.
Em Lisboa as coisas correram de forma bastante tranquila. Surpreendidas com uma folga inesperada, muitas pessoas aproveitaram a tarde para passear, ir a jardins e esplanadas. Usaram o carro para ouvirem as notícias na rádio e não para se deslocarem. Mas não creio que a tolerância fosse a mesma se, em vez de horas, o apagão tivesse demorado dias.
Como autarca de uma das 24 freguesias de Lisboa, não recebi qualquer orientação da Câmara ou do Governo, mas a minha equipa empenhou-se em arranjar geradores para suprir necessidades urgentes, visitou os mais idosos, preocupou-se com a bateria de quem dependia de botijas de oxigénio para respirar. E ainda tentou impedir a venda especulativa de velas a 20 euros.
À noite, depois do alívio do regresso da luz, apenas um autarca se pôs em bicos de pés para ir à televisão fazer o autoelogio por ter feito o que lhe competia. Na manhã seguinte, o mesmo autarca marcou uma conferência de imprensa para se voltar a autocongratular. Não partilhamos a euforia de Carlos Moedas.
O que esta segunda-feira tornou evidente foi que nunca fomos tão vulneráveis a sismos, tempestades, falhas massivas de energia ou, por absurdo, a invasões alienígenas. Limitamo-nos a navegar à vista, de crise em crise, sem comando nem coordenação, sem reconhecer que precisamos de simulacros, de mais e melhores opções e de formação sobre como agir em situações concretas.
Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara
*O autor recorre à ironia neste título