Nunca foi prudente subestimar Joe Biden

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Joe Biden parecia estar a conseguir estancar a ferida gigantesca que abriu em torno da sua candidatura após o debate de Atlanta - mas terá de gerir novo enorme desafio com o gamechanger que pode ter ocorrido em Butler, Pensilvânia, com o atentado contra a vida de Donald Trump.

Ficará mais difícil explorar a narrativa do medo do regresso de Trump, pelo menos nesta fase em que Donald está a gerar uma onda de empatia que chega a soar estranha, se nos lembrarmos de que Trump quase sempre se assumiu como aquele que incita os nossos piores sentimentos.

Mas calma: pode voltar a revelar-se precipitada a sentença da morte política de Joe Biden. 

Nos últimos dias, as vozes democratas que exigiam a retirada da candidatura de reeleição do presidente perderam força. O foco passou a estar em Trump e a forma exemplar como Joe reagiu ao atentado da Pensilvânia também terá contado. Biden puxou pelo melhor da América: “Não há lugar neste país para a violência e para o ódio. Nós somos vizinhos, amigos, colegas. Não somos inimigos. As diferenças políticas que tivermos medem-se nas urnas.”

Biden ainda pode virar este jogo

Na dinâmica das Eleições Presidenciais na América, costumava haver uma “October surprise”, um acontecimento inesperado e fortemente influenciador do resultado, a acontecer nas semanas anteriores à decisão.

Mas até nisso esta corrida de 2024 está a ser especial: já vamos numa “June surprise” (desastre Biden) e numa “July surprise” (atentado a Trump). Convém, por isso, desta vez não ser demasiado sentencioso ao afirmar que “a eleição está decidida”. Restam mais de 100 dias para que outras surpresas potencialmente definidoras possam acontecer, neste ambiente de grande tensão e imprevisibilidade.

Sim, claro: Trump pode capitalizar com o episódio de contornos cinematográficos de Butler, pelo seu enorme poder cénico e porque conseguiu, com rapidez, aproveitá-lo nos seus mais ínfimos pormenores. Saltar daí para a conclusão, como tantos fizeram desde sábado à noite, de que “a eleição está entregue a Trump” vai um enorme passo.

Será crucial que, enquanto presidente, mostre garantias de que fará tudo para ajudar a apurar o que falhou ao nível da segurança, para que a grande massa de eleitores que não liga às conspirações de que “isto foi tudo criado pelo Deep State que quer eliminar Trump” disponha de dados objetivos para poder decidir em novembro.

Depois de duas semanas em caos absoluto na campanha democrata, Joe Biden - mesmo com as gaffes da conferência de imprensa no final da Cimeira da NATO - somou momentos importantes em que mostrou competência e eficácia.

Num discurso em Detroit, horas antes do atentado contra Trump, enérgico e articulado, atirou a pergunta, direitinha ao opositor: “O que é mais grave, cometer gaffes  ou cometer crimes?”

Aos notáveis democratas que estariam, nos últimos dias, a preparar um plano que o convencesse a “reconsiderar”, alegou, confiante: “Estavam errados em 2020 (quando derrotou Trump na Eleição Geral), estavam errados em 2022 (quando os democratas obtiveram um resultado bem melhor nas intercalares) e voltam a estar errados agora (quando colocam dúvidas sobre a exequibilidade de uma vitória Biden em novembro). Vamos até ao fim e vamos ganhar!”

Joe Biden sabe que fez uma presidência muito melhor do que a perceção geral dos americanos e do resto do mundo neste momento considera. Precisa, nos próximos 112 dias, de conseguir transmitir esse caso, impondo na discussão de campanha temas como a reindustrialização made in America que a sua Administração promoveu em Estados decisivos como Wisconsin, Michigan ou Pensilvânia, os ótimos números macroeconómicos (menor desemprego em meio século, inflação a baixar muito mais rápido do que se esperava, EUA a ser a economia G7 com melhor desempenho em dois anos seguidos). Será preciso, para isso, lançar para a arena dos comícios nomes como Barack Obama, Michelle Obama ou Bill Clinton? Seja.

Mas a campanha Biden tem mesmo de virar este jogo. E ainda está a tempo de o fazer.

Isto ainda não acabou

As últimas sondagens parecem dar razão à tese de Biden que tem todas as condições de ir até ao fim. Mesmo em plena crise no seio da sua candidatura e nas hostes democratas, mesmo em semanas em que parecia que tudo corria bem a Trump e tudo corria mal a Biden, o equilíbrio nas últimas três grandes sondagens nacionais é indesmentível: Biden +2 na NPR/PBS (50/48, 9 e 10 julho), Trump +1 na Fox News (49/48, 7 a 9 julho), Trump +2 na NBC News (45/43, 7 a 9 julho).

Depois do atentado e nesta semana da convenção é de prever que Trump volte a subir um pouco nos próximos dias, mas estes dados parecem claro a confirmar a tese de que Biden já tinha estancado a ferida e isto voltou a estar quase empatado, desmontando argumentos a quem insistia na suposta “urgência” em apear Joe da nomeação (o que levaria, isso sim, a um caos de desfecho imprevisível no campo democrata, a apenas um mês da Convenção de Chicago).

Nunca foi prudente subestimar Joe Biden.

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