Notícias do Faroeste

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É o mais recente prenúncio de um faroeste global para o qual parece caminhar a (des)regulação geopolítica: esta semana, enquanto na Jamaica vários países prosseguiam o debate sobre um futuro código de mineração oceânica, na mais recente reunião da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), a empresa canadiana The Metals Company (TMC) anunciou ter submetido à Administração norte-americana liderada por Donald Trump um pedido de autorização para iniciar a atividade mineira em águas internacionais, à revelia do debate entre nações no seio da ISA, da qual os EUA não são um país signatário.

Os fundos marinhos cobrem três quartos do planeta e, no entanto, conhecemos mais sobre as características da superfície da Lua do que sobre os mistérios escondidos debaixo das águas oceânicas. Mas enquanto a comunidade científica tenta aprofundar o conhecimento sobre os ecossistemas do mar profundo e a importância que os fenómenos que lá ocorrem têm para a vida na Terra, há uma fila de empresas e países com pressa em mergulhar na corrida ao novo ouro em que se transformaram, nestes tempos, os chamados minerais raros, como manganês, cobalto ou níquel, que existem em grandes reservas de nódulos polimetálicos no fundo dos mares. 

Acontece que os riscos ambientais desta exploração de ecossistemas frágeis podem ser imensos e, em grande medida, são ainda desconhecidos, com estudos recentes a alertarem sobre possíveis efeitos massivos em cascata, desde a libertação de metais tóxicos até à destruição de espécies ainda desconhecidas.

Implementada em 1994 no contexto da Convenção sobre o Direito do Mar, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos tem essa dupla missão de discutir a preservação dos fundos oceânicos e regulamentar as bases da sua exploração de forma justa e sustentável. É no seu seio que os mais de 160 países signatários tentam desenhar um entendimento sobre uma área tão delicada para a vida futura do planeta.

O facto de este ser ainda um território de grandes incógnitas científicas tem feito aumentar o movimento de países e organizações não-governamentais pedir uma moratória sobre a extração de minerais em águas internacionais até 2050 e em Portugal isso foi mesmo já aprovado pelo Parlamento relativamente às águas nacionais.

Os oceanos não podem ser convertidos no próximo Velho Oeste da geopolítica. Precisamos de regras, de ciência e, sobretudo, de coragem política. Mas a ofensiva agora liderada pela TMC, a contar com o conhecido desprezo da Administração Trump por políticas de proteção ambiental e convenções de qualquer índole, é o mais recente exemplo de como o multilateralismo está a ser atropelado pela vontade crescente de alguns cowboys da cena internacional em resgatar um certo espírito de "faroeste", transformando o mundo num território sem lei, onde os mais poderosos possam impor a sua vontade. Indiferentes à ameaça que isso possa representar para o futuro de todos.

Editor do Diário de Notícias

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