No mieloma a inovação é real
Num contexto de recursos financeiros sempre limitados, é natural e obrigatório que se faça uma análise criteriosa de cada novo medicamento a introduzir nas estratégias terapêuticas de uma determinada doença. Em primeiro lugar, só nos interessa a introdução de novidades que sejam inovação, ou seja, quando haja acréscimo de valor que se possa medir em probabilidades de cura, maior duração de sobrevivência, alargamento do tempo sem necessitar de tratamento, controlo ou eliminação de sintomas, melhoria da qualidade de vida, maior comodidade na toma do medicamento ou maior adesão à terapêutica. Todos estes fatores e ainda outros devem ser ponderados quando se determina quanto é que estamos dispostos a pagar por um medicamento inovador. Para tornar tudo isto ainda mais complexo, é sabido que todos nós, os pagadores, não raras vezes pagamos, direta ou indiretamente, por via dos impostos ou de prémios dos seguros, valores desproporcionadamente altos em relação ao benefício.
Mas há um cancro em que a realidade está marcada por avanços muito significativos, beneficiando de múltiplas tecnologias que têm vindo a ser introduzidas na terapêutica com recursos a anticorpos, intensificadores da imunidade antitumoral, modificadores do metabolismo celular e até pelo novo desenho de medicamentos citostáticos que poderíamos denominar de “clássicos”. Trata-se do mieloma, uma doença que resulta da transformação maligna de células responsáveis pela produção de anticorpos, essenciais para a nossa defesa, e que tem tido ganhos de sobrevivência de mais de 5 Xs. A esperança média de vida passou de 18-24 meses, para mais de 10 anos e tem estado sempre a aumentar. Vidas mais longas e com maior qualidade.
Umas das razões para este facto está na sábia introdução de medicamentos com anticorpos, produzidos em laboratórios industriais, dirigidos a moléculas que estão na superfície das células cancerosas e, ainda mais espetacularmente, o recurso a células imunocompetentes geneticamente modificadas para que aprendam a dirigir-se especificamente contra o tumor, as células CART ou CARNK (estas, ainda a caminho), e também aos anticorpos bi-específicos que ligam as células imunes, corretamente denominadas de “assassinas” ou killer, às do cancro que tem de ser eliminado. Um mundo novo que funciona e bem.
Mas para que este mundo novo chegue a todos os necessitados, em tempo útil, é preciso que o Infarmed e os fabricantes se ponham de acordo sobre o preço comportável para o SNS. Não deveria ser difícil. Todavia, o processo de estipulação de preço para o SNS é muitas vezes lento, há combinações de medicamentos que demoram anos a serem devidamente apreçadas, há programas de acesso precoce (os PAP) que são desenhados sem ter em conta a indicação aprovada na Europa e o recurso sistemático a autorizações especiais de utilização é moroso e consumidor de tempo e recursos.
Entretanto, os hospitais vão comprando, quando podem, a preços internacionais que não estão adequados à capacidade das Finanças Públicas. No caso do mieloma os medicamentos em causa têm VALOR, são verdadeiras INOVAÇÕES! É caso para dizer que não há tempo para perder.
Hematologista, Clínica de Mieloma, IPO de Lisboa