Netflix e os outros: um passado fantástico, um futuro incerto

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Em poucos anos, a indústria de serviços de streaming tornou-se uma ubiquidade, em que a Netflix, a Disney ou a Amazon Prime passaram a dominar os nossos serões. Mas ao estrondoso sucesso das plataformas seguiram-se dias difíceis ... e agora com IA, como será o futuro? Nada como analisar a história para antever o que se pode passar.

Tudo começa em 2007. Inspirada no modelo de negócios do YouTube, a Netflix desenvolve o serviço de streaming que hoje conhecemos: uma plataforma online com acesso por subscrição a conteúdos. No início a Netflix limita-se a oferecer filmes e séries abertos, mas rapidamente começa a desenvolver conteúdos proprietários, cada vez mais atrativos graças ao conhecimento das preferências dos subscritores que vai construindo. Com o sucesso instantâneo desta nova oferta assiste-se a uma explosão do negócio: plataformas facilmente acessíveis, acesso a conteúdos sem publicidade e poder desfrutar do conteúdo preferido onde e quando se quiser.

Esta proposta de valor fantástica e inovadora leva a uma vasta oferta de plataformas e ao crescimento exponencial da indústria, que em 2023 fatura 43 mil milhões de dólares americanos (mM$) e vale mais de 550mM$. Isto graças a uma adesão maciça do mercado, com o consumidor a subscrever cada vez mais plataformas.

De facto, a família média europeia tem 3,3 subscrições de streaming e gasta 700$/ano, nos EUA 83% dos lares possuem uma subscrição de, pelo menos, uma plataforma (em 2015 a penetração já era de 50%) e uma média de 4,5 subscrições por lar... e em Portugal, segundo a Marktest e o Público, 86% dos lares usam operadoras de telecomunicações com internet, facilitando a penetração do streaming que chega a 52% da população. São números de respeito.

Num ambiente cada vez mais competitivo, mas com imenso cash flow, cada plataforma investe de forma maciça em séries e filmes proprietários de elevada atratividade para grandes audiências, tornando irresistível a sua subscrição. Séries como Narcos, House of Cards ou Succession fazem história e atraem à Netflix e à HBO multidões de novos subscritores. Veja-se que, se em 2023 83% dos lares norte-americanos possuem uma subscrição de streaming, oito anos antes esta penetração já atingia 50%.

Neste ambiente é natural que a guerra entre marcas de streaming seja cada vez mais intensa com duas táticas competitivas a emergirem como dominantes. A primeira é naturalmente a produção de conteúdos proprietários, cada vez mais caros e sofisticados. A segunda vai centrar-se na consolidação, uma opção à partida mais barata: a compra da Hulu pela Disney, a fusão da Paramount com a Skydance, ou a aquisição da 21st Century Fox pela Disney são disso bons exemplos.

Mas a intensificação da concorrência acaba por ser superior ao que o mercado aguenta e 2022 é um ano negro. A Netflix perde um milhão de assinantes e a Disney regista prejuízos de 1,1mM$ devido a enormes perdas da Paramount e da Warner Bros, resultado sobretudo da enorme dívida contraída para conseguirem acompanhar o crescimento da Netflix na produção de conteúdos.

Na prática, todas as novas plataformas tentaram fazer o que a Netflix fizera em dez anos, mas em metade do tempo. Têm de recuperar margens e três medidas são universalmente aplicadas... todas penalizadoras para o consumidor.

Primeiro, reprimem a partilha de senhas. Em 2017, a Netflix estimulava essa partilha porque acreditava que atraía novos subscritores. Mas este efeito era uma falácia e, quando o crescimento de assinantes estagna, as plataformas acabam com a partilha, uma frustração para muitos espectadores.

Segundo, introduzem publicidade em doses maciças para aumentar receitas.

E terceiro, claro... sobem os preços. A rentabilidade das empresas melhorou, mas muito do que tornava o streaming tão atraente foi claramente afetado, a proposta de valor nunca mais foi a mesma.

Não está claro o que o futuro reserva para a indústria de serviços de streaming. Muitos analistas veem o futuro nublado, com uma maior concentração no setor devido ao fraco desempenho de muitas plataformas, devido à redução no crescimento de assinantes ou mesmo aumento do churn, em metade do tempo.

Basta ver o caso da Netflix para perceber como a proteção da rentabilidade reduziu drasticamente a quantidade e qualidade dos conteúdos próprios.

Outros analistas são mais positivos e acreditam que a inovação com IA, o aumento de receitas via publicidade com mais anúncios, mas mais curtos e maior expansão global, possam levar a um boom no número de assinantes e na rentabilidade das plataformas. Com cenários tão extremados, a única certeza é que a indústria de serviços de streaming tem pela frente um futuro ... de enorme incerteza.

Empresário, gestor e consultor

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